25 Abril, 40 Anos, 40 Depoimentos, hoje com Carlos São Martinho e Fernando Paulouro

Quase no final desta epopeia de testemunhos de personalidades ligadas, direta ou indiretamente, com o distrito de Castelo Branco, voltamos hoje a ter dois nomes sonantes, por coincidência, ambos do Fundão. Falamos do deputado Carlos São Martinho, eleito na lista do PSD e Fernando Paulouro, jornalista e até há bem pouco tempo, diretor do, nosso prestigiado colega, Jornal do Fundão. Intervenientes na vida política, cívica e cultural do distrito e do país, são ambos, cada qual no seu campo, exemplos de participação e cidadania a seguir por aqueles que, entretanto, deixaram de acreditar que vale a pena. Afinal, já dizia o poeta, “Tudo vale a pena, se a alma não é pequena“…

1ª – Onde se encontrava no dia 25 de Abril de 1974?

Carlos São Martinho, deputado na Assembleia da República, eleito pelo PSD 

Com quase 18 anos de idade, o 25 de Abril de 74 apanhou-me no Seminário Maior da Guarda, onde concluía o último ano do actual Secundário.

Lembro-me, muito bem, da tensão que pairava no ar, dada a interligação existente nas elites da Igreja com o poder político, entretanto deposto.

Vivíamos um misto de euforia e suspense gerado pela incerteza do momento. A noção de uma liberdade levada ao limite não casava bem com a rigidez institucional do sistema que nos envolvia.

Foram momentos vividos de forma intensa, em que as aprendizagens se faziam a uma velocidade vertiginosa. Mas que nos absorviam, nos entusiasmavam e nos formaram a personalidade.

2ª – O que representa para si, passados 40 anos, o 25 de Abril?

O fim da guerra colonial (onde eu tinha os meus dois irmãos, um em Angola e outro em Moçambique), o aparecimento de um novo conceito de Associativismo, o Poder Local, as eleições livres, os novos partidos são alguns dos factos que marcaram Portugal nos últimos 40 anos.

Mas a reconquista da nossa dignidade enquanto povo que conquista o mundo, o direito a uma qualidade de vida de matriz ocidental, a cidadania europeia que conquistámos entretanto, mas sobretudo os valores da liberdade individual e democracia colectiva são valores que o 25 de Abril nos proporcionou. E que importa praticar, preservar e consolidar, com esforço redobrado, no nosso dia-a-dia.

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1ª – Onde se encontrava no dia 25 de Abril de 1974?

Fernando Paulouro, jornalista, ex-diretor do Jornal do Fundão

No “Jornal do Fundão”, onde prosseguíamos o combate possível pela liberdade de informação e pelo desenvolvimento da Beira Interior. Depois do gorado “golpe” das Caldas dos efémeros ecos do mal-estar nas Forças Armadas, protagonizado pelos capitães, e pelos efeitos produzidos pelo livro “Portugal e o Futuro, de Spínola, adensavam-se as suspeitas de que qualquer coisa podia acontecer, suspeitas que aumentaram quando Spínola e Costa Gomes foram demitidos das chefias militares. Mas havia receios de que pudesse acontecer, também, um golpe de direita, chefiado por Kaúlza. O 25 de Abril, todavia, é que estava no horizonte. Lembro-me do meu tio, António Paulouro, director do JF, que mantinha contactos com Álvaro Guerra, de quem era muito amigo, ter ido, para Lisboa, na véspera, levando na bagagem bom carregamento de vinho do Fundão. No dia 25 de Abril fez-se, no “República”, um brinde ao 25 de Abril, com o vinho do Fundão! O Afonso Praça e o Fernando Assis Pacheco contaram o acontecimento em crónicas.

2ª – O que representa para si, passados 40 anos, o 25 de Abril?

Se quiser ir à procura de uma palavra para responder à questão, diria: tudo. Vivi vinte e sete anos em ditadura, tempo irrecuperável para o direito à felicidade. Era jornalista, sabia bem o que era a Censura e a destruição cultural do salazarismo. Ancorávamos, muitas vezes, a esperança aos versos de Sophia: “nunca choraremos bastante/quando vemos/o gesto criador ser destruído”; ou encontrávamos suplementos de alma na “Praça da Canção” ou no “Canto e as Armas”, de Manuel Alegre, na esperança de que o microfone falasse uma noite às três e tal… Nesse tempo — tempo de clandestinas — as minhas batalhas políticas giravam na órbita do PC, que fazia um combate com honra, contra a ditadura.

Quando o 25 de Abril aconteceu, tudo se transformou. A liberdade tornou-se real e, com ela, vieram todos os outros direitos postergados, durante décadas. O direito à escrita e à fala, o direito de reunião, os direitos sociais, as garantias de acesso ao Ensino e à Saúde. Em suma, o direito à felicidade. Esta mudança entre o país das prisões e da miséria “mansa” (às vezes, bem feroz!), e o país da liberdade, marca, pois, uma mudança de qualidade política que faz do 25 de Abril, na minha perspectiva, o acontecimento relevante do século XX português.

Não é possível estabelecer comparações entre o antes e o depois, porque não é comparável a desumanidade (ou a infra-humanidade) e a humanidade. Por isso, digo, que para mim o 25 de Abril continua a ser tudo. Mesmo quando parece regressar, outra vez, “a noite mais triste” e “os tempos de servidão”.

 

 

 

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