Fim de Estação

Fim de Estação

* Miguel Szymanski

O mundo como o conhecemos parece estar a fragmentar-se. As velhas certezas e conceitos pulverizam-se. A produção de armas dispara, os conflitos espalham-se, as migrações dramatizam-se, até a hegemonia dos Estados Unidos desmorona. Há quem tema a queda no caos e que, não tarda, com a queima de combustíveis fósseis e o acelerado aquecimento global, além do crescente risco de guerras nucleares, pouco mais reste do que cinzas.

Após a época das revelações divinas, que colocou o ser humano – ou pelo menos algumas das suas ‘tribos’ –  no centro da criação e o nosso mundo no centro do universo, percebemos que, afinal, somos uma partícula de pó num areal sem fim à vista. Ficámos a saber que, na cronologia da terra, anteontem ainda éramos uma espécie de toupeiras cujo mérito foi terem sobrevivido ao embate de um meteorito e aos dinossauros. A nossa própria capacidade de raciocinar, de que tanto nos orgulhamos, funciona numa densa nuvem de mitos, instintos e de um subconsciente colectivo que nos condiciona nas decisões mais elementares. E o nosso admirável engenho está a destruir o habitat em que vivemos. No meio de tudo isto, vivemos uma aflitiva crise de fé e de referências.

Já quase ninguém vai às missas da velha religião de Estado. Mas nas vilas e cidades há centenas de igrejas com programas de ‘salvação cristã’ alternativos, umas fazem milagres à hora certa, outras andam de porta em porta a oferecer um lugar no céu. Além dos locais de culto das outras duas grandes religiões, ditas monoteístas, as mesquitas e sinagogas, temos pelo País e pela Europa fora templos budistas, ashrams hindus, terreiros de candomblé, pagodes confucianos, associações espíritas, etc., etc. As correntes antroposóficas, teosóficas ou as lojas maçónicas são outras vias possíveis para os mais ou menos crentes. Quem, por argumentos incontornáveis, quiser encontrar alternativas à leis clássicas newtonianas, einsteinianas e da física quântica, à teoria dos universos paralelos, das onze dimensões ou das cordas, entre outros modelos científicos crescentemente ininteligíveis, encontrá-las à algures, nem que seja nos templos do consumo.

No meio do caos, a astrologia, que está na origem de todas as ciências e exercia grande influência até ao século XVII, volta a atrair estudiosos, porque, afinal, somos ou não poeira estelar?

A mesma fragmentação do Ocidente se observa nas artes e nas dietas alimentares. Da música atonal de Schönberg a Stockhausen, do veganismo ao regime paleolítico, passando pela proteico ou o jejum intermitente, não falta quem jure pela dieta mediterrânica ou assuma a decadência da alimentação fast food etc.

A história, afinal, não acabou nos moldes como previram Hegel, Marx ou mais recentemente Fukuyama. Depois da queda da União Soviética e da abertura da China o mundo não abraçou o modelo de democracia ocidental, liberal e com ‘valores universais’. Em vez disso, a arquitectura de segurança do planeta entrou em colapso para renascer com outra forma se ninguém desencadear o armagedão atómico.

Face ao que vivemos e como vivemos, o duplo atributo em ‘homo sapiens sapiens’, de sábio ou sensato, parece algo exagerado, para não falar da taxonomia à partida inquinada por uma boa dose de masculinidade tóxica. Talvez uma maior intervenção da ‘femina sapiens sapiens’ resultasse em um pouco mais de sabedoria.

Estamos, ao que tudo indica, mais uma vez, no fim de uma etapa. Uma mudança de paradigma parece iminente. Será o começo de uma nova era de contornos ainda por entender. É neste ponto que o mundo se divide entre negacionistas e catastrofistas, optimistas e pessimistas em todas as graduações. Enquanto o sol brilhar haverá um renascer  das cinzas. Resta saber se a nossa espécie estará lá para assistir.

Miguel Szymanski, Colunista do Jornal de Oleiros

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