Crónica da Invasão da Ucrânia
* Mendo de Castro Henriques
28 de Abril de 2024
. O nervo da guerra
No Epítome da Arte Militar, que serviu de manual quase único até à era moderna, o romano Vegécio (séc. IV) usou a expressão nervo da guerra para afirmar que o dinheiro afeta poderosamente o curso das operações militares.
O recente pacote de ajuda de US€61 biliões veio evitar o colapso ucraniano cujo Estado está quase insolvente. Em escassa quantidade e a más horas, o Congresso norte-americano cumpriu uma obrigação moral do Ocidente. Esta ajuda não pode ser utilizada para pensões nem salários militares, em princípio. Mas o orçamento ucraniano poderá libertar fundos para pagar os militares. Foi a falta de dinheiro criada pela direita radical norte americana que, durante seis meses, reteve a lei da mobilização da Rada Ucraniana, deixando o exército (ZSU) sem reforços. Tão mais importante do que as armas neste pacote (especialmente as de defesa aérea), é a capacidade financeira para iniciar a mobilização. A falta de militares é ainda mais perigosa do que a falta de munições.
Em Dezembro de 2023, o general Zaluzhny afirmou que a Ucrânia precisaria de mais 500 mil soldados e de 350/400 mil milhões para deter Putin. De onde virão? Os apoios europeus e americanos permitirão alguns meses de folga. E depois? Qual é o plano?
É habitual escutar-se que os PIB’s combinados dos países da NATO superam até 100 vezes os da Rússia – que tem um PIB idêntico ao de Itália – talv o que confere uma vantagem esmagadora. É uma suposição falsa e perigosa. A comparação dos PIBs nominais dos países não leva em conta o chamado “PPP militar”. O poder militar exige o nervo da guerra. Mas o custo do poder militar varia radicalmente. Veja: https://cepr.org/voxeu/columns/debating-defence-budgets-why-military-purchasing-power-parity-matters . Por exemplo cada projétil de artilharia custa de US$ 3000 a US$ 8500 nos EUA ou na Europa https://www.defenseone.com/business/2023/11/race-make-artillery-shells-us-eu-see-different-results/392288/ A produção tem crescido muito lentamente. https://www.defenseone.com/policy/2023/03/us-sextuple-155mm-artillery-shell-production-replenish-stocks-sent-ukraine/384542/. Na Rússia, os projéteis de artilharia de 152 mm custam US$ 600. https://www.nytimes.com/2023/09/13/us/politics/russia-sanctions-missile-production.html e eles produzem várias vezes mais munições todos os meses do que toda a NATO combinada.
O ministro da Defesa alemão, Boris Pistorius, alertou que a Rússia produz mais armas do que consome na batalha: https://www.thedefensepost.com/2024/04/26/russia-weapons-needed-ukraine/ Juntamente com outras declarações, estas posições de quem é um europeísta pró ucraniano convicto mostram que é errado afirmar-se que a guerra “enfraquece a Rússia”. A propaganda do Kremlin conseguiu convencer os russos que a Rússia está numa luta pela existência, que está a viver uma Grande Guerra Patriótica 2.0, contra os malvados Ocidentais que os querem destruir. A população zombificada está preparada para sacrifícios, a economia é de guerra, e apesar das sanções, apesar da escassez de mão-de-obra qualificada e apesar de outros problemas, não é o nervo da guerra que os vai vencer.
Tudo isto não prova que a Rússia ganhou no nervo da guerra mas prova que que não basta à NATO ter PIB coletivo gigante. Para a Ucrânia vencer, tem de haver um aumento radical na produção industrial militar no Ocidente e muito maior empenho em evitar os bloqueios criados pela direita radical que ameaçam o povo americano e que perturbam a Europa.
O nervo da guerra está corroído na Rússia por outras razões: pelas disputas entre as lideranças A 24 de Abril, o vice-ministro da Defesa da Rússia Timur Ivanov foi preso, oficialmente acusado de aceitar subornos. Falar de suborno – é para o público.
Há muito que se sabia de Ivanov e de outros casos.
Na realidade, trata-se de traição, segundo fonte do FSB para o site russo iStories. “Que era corrupto, sabia-se há muito.
Putin deu a ordem por ser uma traição”. Ainda mais importante são as ramificações deste caso pois o general Ivanov foi dos principais a recolher os despojos deixados por Yevgeny Prigozhin, após este ser assassinado em Agosto de 2023. Nomeadamente em África que visitou em 2023 e onde o “Afrika Korps” russo serve aos seus chefes para fazer negócios. Prigozhin chamou-o abertamente de “ladrão” na presença de Vladimir Putin. E como aliado do Ministro da Defesa, Sergei Shoigu e Timur Ivanov estavam ameaçados quando o Grupo Wagner ganhou poder na Ucrânia.
Uma fonte não identificada citada pelo canal VChK-OGPU Telegram afirmou que a prisão de Ivanov é um “golpe catastrófico para Shoigu”. Outra fonte teria dito ao canal que a identidade do subornador deixaria tudo claro.
Amanhã é outro dia!
* Mendo de Castro Henriques