Abril do nosso descontentamento!
No próximo dia 25 de Abril celebra-se o 50º aniversário do derrube da ditadura fascista pelo Movimento das Forças Armadas (MFA), imediatamente apoiado por exuberantes manifestações populares em todo o país. E foi esta aliança – MFA/POVO – que, por um lado consolidou o êxito da ação militar e, por outro, a fez evoluir para uma Revolução Democrática que, após um processo turbulento de acesa luta de classes (PREC) viria a terminar dois anos depois com a aprovação da Constituição, em 2 de Abril de 1976. Constituição essa que, não obstante já ter sido mutilada em sucessivas revisões pelos votos conjugados do PS, PSD e CDS continua, ainda hoje, a ser uma das Constituições mais progressistas do Mundo. A sua originalidade consiste em não “divinizar” o princípio maioritário (do voto), antes colocando-o no mesmo nível democrático do económico, do social e do cultural. É justamente por isso que o nosso regime político, enquanto vigorar esta Constituição, nunca será uma “democracia liberal”.
Desde esse dia Libertador, “muita água passou debaixo das pontes”! A polícia política (PIDE) foi desmantelada e foram libertados os presos políticos; foi extinta a ANP e a Assembleia Nacional; foram legalizados os partidos existentes e criaram-se outros novos; acabou a guerra colonial iniciada em 1961 que já tinha ceifado a vida a cerca de 11.000 dos nossos militares; foi instituída a liberdade de opinião e de expressão; o PCP abandonou o conceito de “ditadura do proletariado”, e passaram a realizar-se eleições livres, universais e periódicas para os diversos órgãos do Estado; todos passamos a ser iguais perante a Lei.
Entretanto, durante os últimos 50 anos, a vida quotidiana dos portugueses foi melhorando gradualmente: Instituiu-se o salário mínimo nacional, a semana de 40 horas de trabalho, um mês de férias pagas, subsidio férias e subsídio de Natal; foi proibido o despedimento sem justa causa e o trabalho infantil; as redes de saneamento, de água canalizada e de eletricidade expandiram-se nas cidades, vilas e aldeias e para recônditos locais; na Escola Pública foi extinta a Mocidade Portuguesa, a disciplina de Religião e Moral passou a ser facultativa, as turmas passaram a ser mistas, o ensino passou a ser obrigatório até ao 12º ano e os filhos dos operários começaram a frequentar as universidades, cada vez em maior número; foi criado o serviço nacional de saúde (SNS), diminuiu drasticamente a mortalidade infantil e aumentou a esperança média de vida dos portugueses;
As Caixas de Previdência deram lugar à Segurança Social Pública que passou a assegurar as reformas e os subsídios de desemprego, complemento solidário para idosos, pensão de incapacidade, etc. As mulheres passaram a ter os mesmos direitos e deveres dos homens, foi legalizado o aborto (IVG) e o divórcio passou a estar plasmado na lei. Muitas outras coisas foram criadas e melhoradas (acesso à cultura, as estradas, os transportes públicos, etc.) que seria fastidioso enumerar, mas que todos usufruem com a mesma naturalidade com que respiram.
Então, qual a razão por que a maioria dos eleitores portugueses nas Eleições Legislativas antecipadas realizadas no passado dia 10 de Março concentraram os seus votos nos partidos de direita e extrema-direita (PSD/CDS/IL/CH), sabendo-se que o PSD e a IL “não morrem de amores” pelo 25 de Abril, que o CDS votou contra a Constituição e que o CHEGA é um partido de extrema-direita?
A resposta mais simples e cómoda seria dizer que “a memória é curta”, ou que a “ingratidão” faz parte do ADN dos portugueses! A explicação no entanto é bem mais complexa. A ignorância histórica de quem não viveu a Revolução (em particular os eleitores jovens), a formatação e manipulação da opinião pública pelos meios de comunicação social e a profusão de fake news nas redes sociais, a tendência crescente da extrema-direita na Europa, são, entre outros, fatores também a considerar.
A meu ver, porém, a causa primeira da “brutal viragem à direita” da sociedade portuguesa tem a ver com a forma como, nos últimos anos, o poder político (PS) tratou os portugueses.
Efetivamente, o governo de António Costa que nos 2 anos anteriores governou o país, suportado na A.R. por uma “maioria absoluta” de deputados do PS, foi um completo desastre, com nefastas consequências na vida quotidiana dos portugueses. Obtida a “maioria absoluta”, fez tábua-rasa das promessas que tinha feito na campanha eleitoral e, num estilo arrogante que se tornou padrão em toda a sua governação, só se preocupou coma as “contas certas” do deve e do haver, como se o Ministério das Finanças fosse a mercearia da esquina.
As consequências desta estratégia foram trágicas: o Serviço Nacional de Saúde “rebenta pelas costuras”; na Escola Pública, em pleno 3º período ainda há 20.000 alunos sem professor a uma disciplina. Na Habitação, o edificado público (2%) no início da governação não sofreu alteração, a prestação bancária é incomportável para 1/3 das famílias e os jovens não conseguem tornar-se independentes; na Segurança Social os velhos são “encaixotados” em Lares (?) à espera da morte;
A Justiça “anda pelas ruas da amargura” e instala-se na sociedade uma perceção de corrupção generalizada; nas empresas, a norma são os baixos salários, a discriminação salarial das mulheres, e a precariedade é cada vez maior; nas entradas dos prédios e nas estações do metro acumulam-se os “sem-abrigo”, etc.
Enquanto isto, a Banca, as grandes empresas e os grandes grupos económicos acumulam lucros de milhares de milhões de Euros, 23% da economia paralela “foge” ao Fisco e, naturalmente, florescem os “paraísos fiscais”! O resultado desta dicotomia está à vista: uma sociedade fraturada e desigual em que metade da população é pobre e muito pobre.
Ora, dispondo de alguma folga orçamental e de uma “maioria absoluta” na A. R. o Governo PS/António Costa teve todas as condições para resolver alguns destes problemas e encetar reformas que esbatessem estas desigualdades, melhorassem a vida das famílias e lhes desse esperança no futuro. Nada disso aconteceu.
Enredado nas suas contradições e ocupado na gestão das suas crises internas (14 demissões em menos de dois anos!) o Governo PS/António Costa só estava preocupado com a sua imagem e estratégia eleitoral. E tanto anunciou a vinda do “Lobo mau” que ele apareceu travestido na pele de 50 deputados!
Pedro Nuno Santos ainda tentou fazer “a quadratura do círculo”, assumindo o legado do Governo PS/António Costa e prometendo medidas que esse mesmo governo (que, alias, integrara), se tinha recusado a tomar! Foi pior “a emenda que o soneto”, pois tudo que dizia soava a falso! Se Pedro Nuno Santos quisesse mesmo romper com as “políticas de direita”, a sua estratégia teria sido de rotura com o passado. Se o tivesse feito, talvez o PS não tivesse perdido as Eleições Legislativas antecipadas!
Neste contexto, compreende-se perfeitamente a “brutal viragem à direita” da sociedade portuguesa. Dos eleitores que anteriormente tinham dado a “maioria absoluta” ao PS, muitos aperceberam-se que, na prática, as “políticas de direita” são comuns ao PS e ao PSD, e então preferiram o original. Outros, mais esclarecidos, viram na IL uma maneira de se dizerem “de direita” sem se envergonharem. E muitos outros, sentindo-se enganados, fartos de promessas não cumpridas e revoltados com a dificuldade no acesso aos Centros de Saúde, com o fecho de urgências hospitalares e de maternidades, sem médicos de família, sem professores para os seus filhos, a verem todos os meses o salário ou a reforma a esgotarem-se antes do dia 30, etc. votaram GHEGA. Isto não faz deles “fascistas”. São apenas gente simples, desesperada com as suas tristes vidas.
Tudo o que atrás está escrito não dispensa – pelo contrário, exige-o um mínimo de honestidade intelectual – que façamos a seguinte pergunta: como se explica que uma parte deste descontentamento não se tenha traduzido nas votações do PCP e do BE? Também neste caso a explicação não é fácil, já que tem a ver com muitos fatores (estrutura das classes sociais, demografia, desenvolvimento tecnológico, comunicação social e redes sociais, etc.) que exigem um estudo aprofundado que ambos os partidos deveriam promover. Limito-me apenas a referir alguns aspetos de ordem prática observados a “olho nu”:
O BE resistiu, subiu ligeiramente de votação e manteve o mesmo número de 5 deputados da anterior legislatura; o PCP “pagou o preço” da sua posição (correta mas muito mal explicada) sobre a guerra na Ucrânia e desceu bastante de votação, perdendo 2 dos 6 deputados da anterior legislatura. É com estes 9 deputados que o PCP e o BE na A.R. vão defender Abril, a Constituição e os trabalhadores. Têm o meu total apoio. Todos sabemos, porém, que o êxito das lutas por uma vida melhor para os trabalhadores não pode ser dissociado da força eleitoral do PCP e do BE. Dito de outro modo: com a atual força do PCP e do BE não é possível melhorar significativamente a vida dos trabalhadores. Infelizmente.
Então, “crescer, crescer, crescer” deve ser a palavra de ordem. Como fazê-lo? Começando por formar uma coligação pré-eleitoral PCP/BE. Existiam e continuam hoje a existir condições objetivas para o fazer. Criem as condições subjetivas e façam-no a tempo de concorrerem coligados às prováveis Eleições Legislativas antecipadas e às Autárquicas de 2025, assegurando desde já aos trabalhadores que podem contar convosco.
Não tenhamos ilusões: o PS vai continuar “em cima do muro”. E se for “obrigado” a saltar para um dos lados, será para fazer o Bloco Central. Formal ou informal, tanto faz. Alias, o seu cheiro já paira no ar da A.R!
Seja como for, não é a primeira vez que a direita e extrema-direita têm a “maioria absoluta” na A.R. E sempre foi possível revertê-la. A atual “maioria absoluta” de direita e extrema -direita terá o mesmo o destino!
E, Sim, o 25 de Abril está ferido, mas não está morto!
Continua vivo no coração dos portugueses, como o vão demonstrar as manifestações populares que se vão realizar por todo o país. VIVA O 25 DE ABRIL!
21 /04/2024
* Manuel Oliveira, Colunista do Jornal de Oleiros