O Baile de Máscaras
Terminada a coreografia das negociações para a aprovação na generalidade da proposta de Orçamento de Estado para 2025 (OE 2025) apresentado pelo Governo PSD/CDS na A.R., foi sem qualquer surpresa que tal aprovação foi assegurada com a abstenção do PS.
Na verdade, desde o chumbo das moções de rejeição do Programa do Governo PSD/CDS apresentadas no passado mês de Abril pelo PCP e pelo BE (o PS absteve-se, permitindo assim a sua aprovação), se intuía que o OE 2025 seria viabilizado na AR. A questão era a de saber qual dos dois partidos (CH ou PS), de quem dependia a sua aprovação na generalidade, o permitiria.
Durante vários meses assistimos, incrédulos, a um extraordinário e surreal “baile de máscaras” protagonizado pelo PSD, CH e PS (a que de quando em vez se juntava o CDS e a IL), cujos bailarinos mudavam frequentemente de máscara!
Desde linhas vermelhas, reuniões secretas, ditos-e-não-ditos, desmentidos, ameaças judiciais, etc., não faltaram máscaras para tentar enganar os portugueses. Não admira que o Governo PSD/CDS levasse o tacticismo ao extremo, já que era dele a proposta de OE 2025. E o CH já nos habituou a mudar de máscara dia-sim-dia-não. O que tem surpreendido é o atabalhoado, contraditório e ineficaz desempenho político do PS e do seu Secretário-Geral (PNS).
Tendo como ponto de partida – “é praticamente impossível viabilizar o OE 2025” – cedo se percebeu a “insustentável leveza” desta impulsiva declaração de PNS, desde logo contestada pela elite mediática do PS avessa à Geringonça. Para ganhar, pela certa, as eleições internas PNS cometeu o erro de ter aceitado que uma boa parte dessa mesma elite tivesse feito parte da sua candidatura à liderança do PS. A partir daí ficou condicionado na sua ação política e a braços com um partido que não controla e em permanente negociação interna.
Não vou glosar as várias declarações contraditórias, inconsequentes e até pueris de PNS; seria uma crueldade fazê-lo. Mas importa desconstruir as razões que o levaram a propor ao PS a viabilização da proposta de OE 2025 apresentada pelo Governo PSD/CDS na A.R.
E é da maior importância fazê-lo, porque o corolário lógico da “retórica de esquerda” com que envolveu essas razões, o levaria a propor ao PS que votasse “contra” a proposta do OE 2025, e não que se “abstivesse”, como acabou por fazer! Ora, justificar a viabilização do OE 2025 com “duas razões – e apenas por estas duas razões “, como sublinhou: “não se pode ignorar que passaram apenas sete meses sobre as últimas eleições Legislativas (…), e “um eventual chumbo do Orçamento poderia conduzir o país e os portugueses para as terceiras Legislativas em menos de três anos, sem que se perspetive que delas resultasse uma maioria estável” é, alem de pouco rigoroso, uma pífia justificação.
De facto, o “voto contra” do PS não implicava, necessariamente, o chumbo do OE 2025; e mesmo que tal acontecesse e se se realizassem eleições Legislativas antecipadas, não seria uma inevitabilidade que o seu resultado trouxesse instabilidade política. Aliás, recordo a propósito que o Governo mais instável deste século foi o anterior governo do qual PNS fez parte, e que era suportado por uma “maioria absoluta” do PS.
Bem podem destacados membros do PS invocarem outras “razões” (interesse nacional, responsabilidade, moderação, PRR, combate ao CH, etc.) para acrescentar às “duas razões” de PNS. Tudo soa a falso. Porém, importa dizer algo sobre o argumento “viabilizar o OE 2025 contribuiu para combater o CH”. Não, é exatamente o contrário! Deixou o CH à solta para fazer oposição. Correto seria o PS votar “contra” e deixar que o CH viabilizasse o OE 2025, obrigando assim o ónus da governação passar a ser também da sua responsabilidade. O CH não se combate com cordões sanitários, mas sim com políticas e medidas concretas e socialmente justas, que eliminem as causas que o fazem medrar. E já agora, com a Constituição da Republica.
Na verdade, a viabilização do OE 2025 pelo PS foi tomada por outras razões, a saber:
– Ainda traumatizado com a Geringonça, o PS não queria que os seus votos se juntassem à Esquerda (PCP,BE,LIVRE), temendo a bipolarização do Parlamento;
– Receando que o PSD mantivesse o “não-é-não” relativamente ao CH, e este votasse contra a proposta do OE 2025 provocando eleições Legislativas antecipadas, cujas sondagens eram desfavoráveis ao PS;
- Não obstante toda a retórica contra a proposta de OE 2025 – e como o próprio PS admitiu – ele dá continuidade a medidas tomadas pelo anterior Governo e acolhe outras propostas do seu Programa eleitoral.
Para dissipar dúvidas, o PS anunciou que, em princípio, também se absteria na votação final global do OE 2025 a realizar no próximo dia 29 de Novembro. Até lá, o Baile de Máscaras vai continuar. Tomemos o SNS como exemplo: no debate na generalidade da proposta de OE 2025 na AR, o PNS reclamou um “SNS exclusivamente público” de forma veemente. Ah! Como a memória é curta! Então não foi a ex-ministra da Saúde de um Governo PS (Ana Jorge) que acabou com a exclusividade profissional dos médicos? E não foi o PS (Correia de Campos) que inventou as USF de tipo C?
Resumindo: o PS não é igual ao PSD, como é óbvio; contudo, as suas diferenças não são de substância, mas sim de grau. Por muito que custe a admitir, é esta, objetivamente, a crua realidade.
E seria bom que o PCP e o BE o interiorizassem, pois é a partir dessa premissa que podem traçar uma estratégia política coerente e positiva. Seria imperdoável (e fatal para ambos os partidos) que não aproveitassem as suas próximas reuniões magnas para começar a debater e a construir uma Coligação Democrática de Esquerda (CDE) que dispute as próximas eleições Autárquicas em Outubro de 2025. É Abril que o exige!
* Manuel Oliveira
Colunista e Correspondente no Porto