A Prova dos Nove …
A propósito do Orçamento de Estado para 2025 – que deverá dar entrada na
Assembleia da República até ao dia 10 do próximo mês de Outubro para ulterior
discussão e votação – temos assistido, incrédulos, a uma espécie de jogo de
sombras protagonizado pelo PSD, pelo CHEGA e pelo PS.
Tratando-se de um documento fundamental para a governação do país, e cuja
rejeição pela A.R. implicaria, provavelmente, a queda do Governo e a dissolução
da A.R. pelo P.R. (como, aliás, aconteceu em 2021 com um Governo do PS), pode
compreender-se o afã destes partidos em torno desta questão, pois, dada a atual
composição da A.R., é deles que depende a viabilização ou o chumbo do O.E.
2025. O que já custa a compreender é a forma enviesada e intelectualmente
desonesta como deitam mão de todos os expedientes, jogos de palavras e
encenações, e tão facilmente “dão o dito por não dito”! Ou melhor, pelo
contrário, compreende-se perfeitamente, se considerarmos que estes três
partidos o que mais desejam é que o O.E.2025 seja aprovado na A.R. sem, no
entanto, quererem assumir o ónus da sua aprovação!
Com efeito, o PSD deixou cair o “não é não!” com que reagia às tentativas de
aproximação do CHEGA; por sua vez, o CHEGA deixou cair a exigência de um
acordo de governação com o PSD; e o PS deixou cair o “é praticamente
impossível” viabilizar o O.E. 2025 do PSD/CDS! Ou seja: todos estes três partidos
renegam agora tudo o que antes tinham dito sobre esta matéria, para assim
permitir negociar entre si o O.E. 2025; negociações essas que, alias, já se
iniciaram. E das declarações destes intervenientes e do P.R. já feitas, uma coisa
parece certa: o O.E. 2025 será viabilizado pelo CHEGA ou pelo PS! De resto, o
comportamento do CHEGA nos Açores e na Madeira, e a abstenção do PS nas
moções de rejeição do Programa do Governo minoritário do PSD/CDS
apresentadas pelo PCP e pelo BE, mais reforça essa certeza.
Contudo, não é indiferente qual destes partidos (CHEGA ou PS), supostamente,
viabilizará o O.E. 2025. Se for o CHEGA a fazê-lo, (como uma parte do PSD quer), o
Governo minoritário do PSD/CDS guinará ainda mais para a direita; se for o PS a
fazê-lo, eis finalmente ressuscitado o Bloco Central (informal) tão do agrado de
uma significativa parte do PS … e do P.R. E por mais piruetas retóricas que PNS
faça (lembram-se da “abstenção violenta” de Seguro em 2011?), essa marca ficará
para sempre tatuada na sua pele.
Fruto do seu desempenho na construção e funcionamento da Geringonça, a
recente eleição de PNS Secretário-Geral do PS gerou alguma expectativa positiva
na Esquerda.
Todavia, ela cedo se esfumou. Por qualquer desconhecida razão
(vontade própria, resistência interna, falta de solidez ideológica, resultados
eleitorais desfavoráveis, etc.), o seu desempenho político vulgarizou-se e já não
se distingue do padrão a que o PS nos habituou durante décadas, e cujo exemplo
paradigmático é a Regionalização. No espaço de poucos meses, o “não fazemos
acordos com o CHEGA”, resultou numa lista conjunta para o Conselho de Estado;
o “é praticamente impossível” viabilizar o O.E. 2025, passou a querer dizer
“estamos disponíveis para ceder em grande medida”; e a dualidade de critérios
sobre os conflitos Rússia /Ucrânia e Israel/Palestina são o cúmulo da hipocrisia!
Ora, só por iliteracia política, ingenuidade ou oportunismo político se pode
continuar a tolerar este padrão de comportamento político. Então, e por maioria
de razão, a Esquerda tem a obrigação de o por a nu e explicar os seus encobertos
objetivos. Assim, e como é óbvio, não faz qualquer sentido propor uma frente de
“esquerda” que englobe o PS. Seria até contraproducente fazê-lo.
Perguntar-me-ão: Mas então a Geringonça não foi positiva? Tendo eu feito parte
daquele pequeno grupo que muito antes da sua formação lutaram para que ela
visse a luz do dia, respondo sem hesitação que SIM. A sua ação foi muito positiva
para o país e para os trabalhadores. Afastou o PSD/CDS do poder, reverteu as
políticas da Troika, melhorou as condições de vida dos trabalhadores e fez
renascer a esperança num país muito melhor. E embora seja um aspeto pouco
salientado, mas que eu considero de extraordinária importância, permitiu
reconstruir relações políticas saudáveis e restabelecer a confiança entre o PS, o
PCP e o BE. A partir da Geringonça ficou cristalino que só políticas e medidas
concretas podem impedir que caminhem juntos. Foi precisamente o desencontro
de políticas e de medidas que aconteceu em 2021; o PS, depois de utilizar a
Geringonça e apropriando-se do seu positivo legado, aproveitou as exigências do
BE e do PCP (avançar numa melhor redistribuição da riqueza produzida, aumento
significativo do salário mínimo e do salário médio, no reforço do SNS e da Escola
Pública e aumentar os ridículos 2% de edificado publico) para provocar eleições
Legislativas antecipadas e colocar um ponto final na Geringonça.
Nesta discussão sobre o O.E. 2025 têm sido esgrimidos dois argumentos a favor
da sua viabilização, que importa desmistificar. São eles a suposta “estabilidade
política” e “a contenção da extrema-direita”.
Sobre a “estabilidade política” importa começar por dizer que ela não pode ser
um fim em si mesmo; antes deve resultar da estabilidade social originada por
boas políticas: salariais, reformas dignas, um bom SNS, uma Escola Pública
inclusiva e com suficientes recursos humanos, uma habitação condigna, etc. O
último Governo do PS/António Costa era apoiado por uma maioria absoluta de
deputados na A.R. e, como sabemos por experiência própria, além de medíocre,
foi o Governo mais instável deste século! De resto, o atual Governo minoritário
do PSD/CDS terá sempre o CHEGA para viabilizar o O.E. 2025.
E sobre “a contenção da extrema-direita” se verificar com a viabilização do O.E.
2025 com a abstenção do PS, tal certamente não aconteceria; pelo contrário, o
que aconteceria seria que, em vez de conter o CHEGA, potenciaria o seu
crescimento, pois tem sido justamente o Bloco Central (político e dos interesses)
que tem ajudado a medrar a extrema-direita no país, e não os “cordões
sanitários” ou as “picardias” no Parlamento. Como é lógico e fácil de ver, só com
políticas socialmente justas será possível conter e diminuir o populismo e a
extrema-direita.
Seja como for, a Esquerda estará confrontada com uma nova situação política
caso o PS, como tudo indica, viabilizar o O.E. 2025, pois se tal acontecer será o
“canto de cisne” das ilusões na impropriamente chamada “ala esquerda do PS” e
numa nova Geringonça. Quer se queira ou não, Iniciar-se-á um novo ciclo político.
E esse novo ciclo político colocará um enorme dilema ao PCP e ao BE: continuar a
navegar à vista, com a sua ação política trivial e rotineira e, consequentemente,
obtendo os mesmos (maus) resultados; ou, pelo contrário, num rasgo de lucidez,
finalmente surpreender-nos, criando uma coligação pré-eleitoral para disputar as
próximas eleições Autárquicas de 2025 (aberta a outras organizações políticas
como o PEV, LIVRE, RC, etc.), de modo a constituir-se numa força política de
Esquerda capaz de fazer renascer a esperança no país de Abril.
Manuel Oliveira
Colunista, Correspondente no Porto
* Nota do Director O presente artigo foi escrito em 31 de Julho. Razões ponderosas que não são culpa do nosso Colunista, impediram a publicação. Porque a consideramos muito elucidativo e actual, publicamos agora com um pedido de desculpas ao Autor e aos Leitores.