Mendo Henriques, 11 de março de 2024
. A invasão da Ucrânia pela Rússia como guerra colonial (XCI)
(1ª parte) O “mapa cor de rosa” de Putin
A história do colonialismo é familiar para qualquer português que se informe, e divide-se em duas partes. A primeira consiste em reconhecer como um povo europeu encontra gente, recursos e energias materiais para levar a cabo a conquista de territórios que lhe não pertenciam originariamente e com que violências levou a cabo o domínio de terras ditas ultramarinas e gentes ditas nativas, seja quais forem os benefícios de modernidade e ocidentalização que depois lhes transferiu.
A segunda parte desta história é a descolonização. Sejam quais forem os sinais predecessores de resistência e independência, o reconhecimento de novos objetivos da sociedade e a “fadiga do império levaram os estados europeus a rapidamente descolonizarem na segunda metade do século 20. A operação do Canal de Suez em 1957 foi, possivelmente, a última expedição imperial europeia, afinal derrotada na raiz pela ação dos dois novos impérios globais da Guerra Fria, o americano e o soviético.
A primeira lição aprendida com a des(colonização) é evidente: quando o colonizador nega a um povo o direito a ter um estado, este reage à colonização. Putin deixou muito claro nos últimos dez anos que não acredita que os ucranianos sejam realmente um povo. Com argumentos de base histórica duvidosa, os “mapas cor de rosa” que nós conhecemos de outras eras, é esta a sua premissa para a invasão da Ucrânia.
Embora a história tenha sempre dois lados, as práticas de Putin são coloniais; quer decapitar as chefias ucranianas, quer separar famílias e quer aumentar o império conforme o mapa cor-de-rosa da “Nova Rússia” do seculo XVIII. A sua propaganda clama que a Rússia tem uma história do “estrangeiro próximo”. A narrativa da Ucrânia é mais longa considerando-se, justamente alvo do colonialismo polaco, primeiro, e depois russo.
A primeira colonização da Ucrânia é polaca no século 17. No século 19 começa a ideia russa étnica imperial de que a Ucrânia não tem autonomia, nem língua ou culturas próprias; e caso existissem deveriam ser banidas. Foi fácil transferir estas ideias para os planos neo-imperiais soviéticos e nazis sobre a Ucrânia, no século XX.
Face aos objetivos coloniais da atual guerra, que tipo de resolução será possível? A questão é decisiva porque o (des)colonialismo assenta no reconhecimento do outro à nossa frente. Enquanto a Rússia não reconhecer ucranianos como sujeitos de direito pleno, é evidente que estes lutarão para existir, de forma compreensível e correta. Quem se depara com uma guerra de destruição, está em situação existencial; e, do ponto de vista ucraniano, o único caminho para a paz é a vitória, e a única maneira de Putin perceber que o seu plano não funciona é não funcionar mesmo. Nos finais de 2022, após as grandes derrotas russas de Kahrkiv e Kherson houve um certo progresso, mas a nossa falta de nervo como aliados ocidentais tem vindo a adiar o desenlace citorioso.
Enquanto o Kremlin se recusar a reconhecer que existe a Ucrânia soberana desde 1991 e continuar a falar do estado ucraniano como um vassalo falhado, e de Zelenski como um líder ilegítimo de um clã judaico, a Ucrânia só tem um meio de resistir a uma guerra colonial: é vencer essa guerra, mesmo que a queiram fazer negociar.
Na 2ª Guerra Mundial, após a ocupação da Ucrânia pela Alemanha nazi, esta recebeu a colaboração dos nacionalistas ucranianos especialmente no oeste – os chamados Banderitas. Estava em jogo o grande assunto da história do século 20, a descolonização, de que o império russo é ainda a expressão. A URSS repetiu as etapas do capitalismo, a ritmo acelerado, e o próprio Estaline tratou as periferias da União Soviética como territórios coloniais a explorar. As férteis terras negras foram exploradas a fundo durante o primeiro plano quinquenal e milhões de ucranianos morreram. Para Hitler, foi uma boa ideia: o controlo dos recursos alimentares da Ucrânia seria a base de um novo tipo de império racial. A estratégia de Hitler ao invadir a União Soviética era controlar a Ucrânia e substituir-se aos projetos soviéticos de coletivização da agricultura.
Quanto à Ucrânia estava no meio dessas duas forças esmagadoras. A grande maioria dos ucranianos lutou bravamente no Exército Vermelho; muitos mais ucranianos morreram a lutar contra os nazis do que aliados ocidentais; e as perdas de civis foram horrivelmente maiores com a ocupação alemã do que a ocupação pela Rússia Soviética. No meio do terror, surgiu o nacionalismo ucraniano, uma atividade terrorista clandestina de menor expressão no período entre guerras mas que veio ao de cima quando em 1939, a União Soviética na Alemanha se uniram para destruir a Polónia ( continua)