O jovem Obada
* Por Miguel Szymansy
Esta semana ouvi uma reportagem na BBC britânica que reconstruiu a saga de um rapaz de 14 anos. O adolescente fugiu da Síria, um país em guerra, onde há simultaneamente bases militares dos EUA, da Rússia e do Irão. Podia ter fugido do Sudão, que também está em guerra, do Bangladeche ou do Paquistão. Obada, o nome do jovem da idade das minhas filhas, quis seguir um sonho de segurança e prosperidade e juntar-se a um irmão mais velho, que já estava no Reino Unido como refugiado de guerra. Mas, para isso tinha que lá chegar.
A travessia do Mediterrâneo correu bem, apesar de não saber nadar e da embarcação insegura. A partir de um acampamento ilegal de refugiados em França, resolveu, a 14 de Janeiro, há menos de duas semanas da data em que escrevo, tentar atravessar o Canal da Mancha. Teriam sido pouco mais de 30 quilómetros até à costa inglesa. Mas o bote naufragou e Obada morreu afogado ainda antes de morrer de hipotermia. Fui procurar fotografias do rapaz. Encontrei-as: um miúdo de olhos brilhantes e inteligentes, se o visse na rua ou andar de bicicleta na minha rua não estranharia.
Tive de pensar nos milhares de jovens portugueses que ao longo de séculos morreram a caminho de terras onde também buscavam prosperidade ou, simplesmente, um modo de vida. Obada, o jovem sírio que morreu no início deste ano, em pouco se distingue dos manueis, franciscos e joões que se puseram a caminho da Ásia, África, Américas ou da vizinha França ou Alemanha em busca de uma vida melhor. Mas é esse o filão que os actuais partidos populistas exploram, agitando as bandeiras do nacionalismo, da xenofobia, da identidade cultural ameaçada.
O pretexto é uma pretensa conspiração, a que chamam “a grande substituição” e que, dizem-no contra todos os factos, pretende “repovoar” e “islamizar” a Europa, uma teoria ao nível intelectual dos “répteis que governam o mundo”. Na realidade, quem o faz são bilionários, gestores de fundos, autocratas e oligarcas, numa corrida pelo produto mais barato e os lucros mais elevados, no limite, assegurados por imigrantes a trabalhar por salários de miséria em estufas ou como estafetas e abandonados à sua sorte, sem qualquer esforço ou investimento para os integrar e deixar participar na ‘vida europeia’.
Nem seria preciso referir que grande parte das guerras têm a sua origem na história colonial e em interesses económicos do Ocidente e que, em todas elas, se combate com armas maioritariamente produzidas no mesmo Ocidente que reclama agora protecção contra os imigrantes e refugiados.
No século XVI uma viajante do norte da Europa escrevia que Lisboa parecia “um jogo de xadrez com tantas figuras brancas como pretas”.
Antes disso, estiveram cá os muçulmanos do Norte de África durante quase oito séculos.
Só ganhámos com isso. A nossa hospitalidade, a nossa gastronomia e a nossa língua devem muito à cultura árabe, como antes ficaram a dever muito à ocupação romana. É o mundo em constante mudança.
Uma coisa é certa, este será outro país num futuro próximo. Se investimos na educação e na cultura, se investirmos nos imigrantes e nas minorias, será um país muito mais rico. Se formos atrás dos flautistas e ilusionistas do “antes é que era bom” será um país muito mais pequeno, fraco e pobre.
Obada, de 14 anos, se tivesse sido acolhido com dignidade na Europa, no Reino Unido ou em Portugal, poderia aprender a língua, estudar e um dia vir a ser um médico, um agricultor, um eletricista ou professor. Oxalá não o tivéssemos deixado morrer.
* Miguel Szymansky, Colunista do Jornal de Oleiros