Agora…ou nunca!

Agora…ou nunca!

1 – O Ministério Público (MP) tornou público que o primeiro-ministro António Costa estava a ser alvo de um inquérito no Supremo Tribunal de Justiça (STJ), uma vez que o seu nome foi referido num processo que decorre no MP visando colaboradores que lhe são muito próximos. António Costa entendeu que a “dignidade das funções de primeiro-ministro” estava desde logo afetada e pediu a sua demissão. O Presidente da Republica aceitou o pedido e decidiu dissolver a Assembleia da República (AR) e marcar Eleições Legislativas antecipadas para o dia 10 de Março de 2024. Em conformidade, o XXIII Governo Constitucional em funções desde 30 de Março de 2022, liderado por António Costa e suportado na AR por uma “maioria absoluta” de deputados do PS, finou-se.

2 – Esta é a síntese dos acontecimentos. Porém, as peripécias que os rodearam são caricatas.

Vejamos: António Costa, mesmo sabendo que a sua integridade é reconhecida pela esmagadora maioria dos portugueses, decidiu demitir-se pelo facto de estar a ser alvo de um inquérito a decorrer no STJ, espoletando assim uma crise política de imprevisíveis consequências.. Curiosamente, não o fez por que também constavam na informação do MP graves suspeitas sobre alguns dos seus muito próximos colaboradores, essas sim, suscetíveis de provocarem uma decisão tão radical. Resulta daqui evidente a dualidade de critérios aplicados quando, por várias vezes, estiveram envolvidos em processos com graves suspeições e até acusações, membros do seu Governo ou colaboradores muito próximos. E ao ensaiar junto do Presidente da República a formação de um novo Governo liderado por Mário Centeno e apoiado pela “maioria absoluta” do PS de modo a evitar a dissolução da AR e a convocação de Eleições Legislativas antecipadas, tentando assim proteger o PS, António Costa revelou, sem querer, o verdadeiro motivo da sua demissão: ao ler o comunicado do MP percebeu imediatamente que o seu Governo já não tinha mais conserto.

3 – Marcelo Rebelo de Sousa tomou a decisão certa ao aceitar o pedido de demissão do primeiro-ministro António Costa e dissolver a AR. Contudo, na ânsia populista de agradar a todos, diferiu a sua exoneração para mais tarde, de modo a que a atual “maioria absoluta” de deputados do PS pudesse ainda aprovar o Orçamento de Estado (OE) para 2024.

Com esta decisão de muito duvidosa eficácia e constitucionalidade, o PR não só desnecessariamente dilatou no tempo a resolução da atual crise política, como tornou surreal o debate do O.E. na A.R.

4 – Que sentido faz debater um OE com ministros politicamente diminuídos, sabendo-se que, apesar de ter aprovação garantida, muito provavelmente não será o OE do XXIV Governo Constitucional? E não era previsível que o debate do OE na AR nestas circunstâncias se transformaria em meras sessões de propaganda eleitoral e numa autêntica “caça ao voto”?

O debate na AR com o ex-ministro Galamba, a proposta do PS para retirar o aumento do IUC do OE poucos dias depois de ter defendido entusiasticamente essa mesma proposta, ou a comunicação televisiva ao país do primeiro-ministro demissionário, são exemplos bem elucidativos.

Seja como for, tudo isto já é passado e o importante agora é concentrarmo-nos nas próximas Eleições Legislativas antecipadas, pois o seu resultado terá reflexos diretos na vida dos portugueses. Para o bem ou para o mal!

5 – António Costa ao declarar que não vai recandidatar-se a Secretário-Geral do PS iniciou o processo que levará à sua substituição, tendo já anunciado a sua candidatura dois destacados militantes do PS:

José Luís Carneiro (antigo e destacado apoiante de Seguro) representa a continuação das “políticas de direita” do Governo demissionário, cujo legado “é seu dever aprofundar”, como disse no discurso de apresentação da sua candidatura. Disse ainda viabilizar um Governo do PSD caso esteja em causa a entrada do CHEGA para o futuro Governo; e rejeitou qualquer possibilidade de acordos de incidência parlamentar com o PCP e com o BE. Registo positivamente a clareza destas posições políticas que não só o credibilizam como também são um importante contributo democrático para o voto esclarecido dos eleitores.

Pedro Nuno Santos (antigo e destacado apoiante de Costa e da Geringonça), ao contrário de Carneiro, anunciou a sua candidatura com um cenário e um discurso cheios de sinais contraditórios. Desde logo pelo destaque dado a apoiantes seus que sempre estiveram contra as suas posições políticas.

Por exemplo: como se justifica a presença do atual ministro da Educação, tendo em conta o que pensa Nuno Santos sobre a contagem do tempo de serviço congelado dos Professores? E que dizer da presença e do apoio de Francisco Assis, declarado inimigo publico de acordos de incidência parlamentar com o PCP e com o BE? Será este o preço que Nuno Santos tem de pagar para conquistar o PS? E depois?

Quanto ao seu discurso, Nuno Santos mostrou-se bastante crítico para com a direita e extrema-direita; contudo, nada disse sobre a formação de um futuro Governo do PS apoiado pelo PCP e pelo BE. Acha mesmo que esta questão não interessa aos eleitores? Ou será que está a pensar replicar a mesma estratégia eleitoral de António Costa nas últimas Eleições Legislativas, sobrevalorizando o perigo da extrema-direita para pedir uma nova “maioria absoluta”? Na parte programática, o padrão foi o mesmo: destacou a importância do Estado Social, mas nem uma palavra sobre o estado caótico em que se encontra; sobrevalorizou a concertação social como se ela fosse o alfa e o ómega do bem-estar dos trabalhadores, (a direita não diria melhor!); e sobre o desenvolvimento do interior do país conseguiu falar de tudo… menos da Regionalização!

6 – Luís Montenegro, que apesar da mediocridade do Governo PS, não conseguiu fazer crescer o PSD, e já via despontar no horizonte próximo os primeiros sinais de contestação à sua liderança, respirou de alívio com a marcação de Eleições Legislativas antecipadas. E o poder pode bem cair-lhe no colo, pois as suas tardias juras de não querer o apoio do CHEGA não são para levar a sério. De resto, pode até ter o apoio do PS para formar Governo!

7 – A Esquerda dá mostras de grande tranquilidade: Paulo Raimundo diz que “a questão determinante é reforçar o PCP e a CDU no plano eleitoral (…) e que o PCP e os Verdes são a única garantia para dar resposta aos problemas do país”; Mariana Mortágua diz que o BE está focado “não na geometria político-partidária (…) mas em apresentar soluções e afirmar-se como alternativa”. Podemos então estar descansados? Não, não podemos, pois estão equivocados.

O PCP decidiu ressuscitar os Verdes, mas ao dizer que é necessário reforçar o PCP e a CDU, nem se apercebe que está a dizer que o PCP e a CDU são uma e a mesma coisa! Mesmo admitindo que o PCP se reforce com mais dois ou três deputados, em que medida isso altera a situação? É claro que seria ótimo o reforço do PCP, mas por si só isso não altera nada. O BE entusiasmado com o resultado das sondagens desvaloriza a votação nos outros Partidos, e até quer afirmar-se como alternativa. Alternativa a quem?

8 – O contexto político em que se vão realizar as próximas Eleições Legislativas antecipadas é muito diferente daquele que existia aquando das anteriores Legislativas que deram a “maioria absoluta” de deputados ao PS. Então, o receio da instabilidade política e da extrema-direita foi o leitmotive que conduziu o PS à “maioria absoluta”. O resultado está à vista. Não se repetirá.

9 – Então, o único e decisivo objetivo da Esquerda (PCP e BE) deve ser conseguir um número de deputados que garanta:

a) Que na futura AR exista uma maioria de deputados do PS/PCP/BE;

b) Que no seu conjunto os deputados do PCP e do BE passem a ser a 3ª força política;

c) Que o número de deputados eleitos seja suficientemente grande que faça o PS pensar duas vezes antes de fazer o Bloco Central;

d) Que o XXIV Governo Constitucional seja liderado pelo PS, apoiado no Parlamento pelo PCP e pelo do BE, e baseado num Acordo Público.

10 – Ora, este ambicioso objetivo só será possível se o PCP e o BE fizerem uma coligação pré-eleitoral (Coligação Democrática de Esquerda) aberta a outras formações, e lançando um amplo movimento de apoio popular que mobilize todo o “povo de esquerda” numa vaga de fundo que varra o país de lés-a-lés.

Eu sei quão difícil é de concretizar tal proposta, pois o sectarismo, os preconceitos e a presunção ainda não foram totalmente eliminados. Todavia, as circunstâncias atuais exigem de todos um esforço suplementar.

No próximo dia 25 de Abril de 2024 comemoramos o 50º aniversário da Revolução dos Cravos. Seria uma ironia trágico-cómica comemora-la estando no poder um Governo de direita/extrema-direita. Não o permitamos!

18 Novembro de 2023

* Manuel Oliveira, Colunista e Correspondente no Porto

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