Crónicas da invasão da Ucrânia (LXXXIX) – Não há inimigos eternos

Crónicas da invasão da Ucrânia

2 de novembro de 2023

  • Mendo Henriques

                Não há inimigos eternos

A guerra entre Israel e Hamas já leva mais de três semanas desde o massacre de 7 de Outubro. Já está tudo dito, escrito e comunicado que seja relevante quanto ao contexto, aos cenários, às motivações e às opções desta guerra de 2023.

Conforme as cronologias que escolhermos, pode-se começar a contar o derramamento de sangue desde 1947, quando foi fundado o Estado de Israel, ou desde a Declaração Balfour de 1917, o mandato para um território judaico na Palestina. Pouco importa a data de começo e de pouco adianta o raciocínio moral e jurídico incompleto de perguntar “Quem teve a culpa?!”

Também, por muito que seja moralmente autoconsolador, de pouco adianta desejar o fim do conflito, e a paz na região e declarações de “que se está chocado” com as mortes acontecidas. Também não adianta lamentar a impotência da ONU em resolver ou sequer minguar a questão. A vida das nações não decorre conforme os desejos morais nem o direito internacional.

E não, nada mais há para perguntar?

Há, sim mas poucos o têm feito e convém aqui repeti-lo; após tantas guerras e intifadas sangrentas entre Israel e seus inimigos, restará alguma outra opção além da abordagem de dois Estados [para Israel-Palestina? Hesito em chamar-lhe solução, pelo menos no início.

A ‘solução’ atual de Israel é a destruição total do Hamas com tanques e bombas e a infantaria a ocupar o terreno.

Os críticos desta opção afirmam que esforços deste tipo já foram tentados antes e falharam; os americanos não conseguiram a destruição total do Vietcong, nem a destruição total dos Talibãs. Pelo contrário; até os reforçaram e levaram à vitória. E não conseguiram porque os danos colaterais entre civis serviram para aumentar o justo ressentimento e as fileiras dos combatentes.

Por outro lado, os terroristas do Estado Islâmico (EI) foram liquidados em julho de 2017, quando o primeiro-ministro iraquiano, Haider al-Abadi, declarou vitória na guerra contra o EI. O ISIS também foi completamente destruído por um conjunto improvável de ataques armados de americanos e mais forças ocidentais, curdos, governo sírio e Rússia. Os terroristas chechenos também foram exterminados por Putin em 2000. Grozny foi arrasada.

Em suma: movimentos terroristas podem ser destruídos apesar de danos colaterais sofridos por civis.

Não existem inimigos eternos; e há ocasiões históricas em que a destruição total de um regime maligno provoca grandes mudanças positivas para todos, em particular, nos derrotados, apesar dos danos colaterais terríveis.

Três exemplos disto são a Alemanha nazi, o Japão imperial e a Itália fascista, dizimados na Segunda Guerra Mundial. Quem duvida que não deviam ser derrotados, até para seu próprio bem?

Está neste caso a ‘destruição total’ do Hamas, que se esconde entre a população civil e em centenas de quilómetros de túneis, o “metropolitano de Gaza” . O Hamas levou décadas e milhões de dólares em ajudas desviadas para construir a sua rede de túneis.

Não sou especialista militar nem político. Mas consigo ver que os israelenses, depois de obterem o controlo total da Faixa de Gaza, destruirão sistematicamente os túneis, e vão, casa a casa, prender os suspeitos sobreviventes, confiscar o material de guerra, armas, explosivos, computadores, material de propaganda, etc., e matar os altos escalões conhecidos do Hamas ou da Jihad Islâmica; sabem quem são pois têm dos melhores serviços de informação do mundo, apesar de que algo os fez falhar a 7 de outubro.

No mínimo, a guerra de Israel contra o Hamas vai criar condições para que a Autoridade Nacional Palestiniana assuma a administração de Gaza.

Se a ANP assumir o controlo, talvez com apoio internacional dos EUA, Inglaterra e França, talvez possa emergir em Gaza uma realidade política nova, que reabriria a possibilidade de uma solução de dois Estados.

No ano 2000, o primeiro-ministro Ehud Barak, que foi general do Tsahal, e chefe do partido trabalhista tentou oferecer essa paz dos dois estados a Yasser Arafat; mas este rejeitou-a e escolheu a segunda Intifadah.

Na opinião de muitos, foi um grande erro de Arafat, pois os palestinianos dificilmente receberiam uma oferta melhor e terão de aceitar menos agora se uma solução de dois Estados for criada.

Não sei se a destruição total do Hamas é uma solução. Mas seria um grande passo positivo, como foi a aniquilação do Estado islâmico, do ISIS, da Alemanha nazi, do Japão imperialista e da Itália fascista.

* Mendo Henriques, Colunista do Jornal de Oleiros

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