Generais da GNR para comandar a GNR

Generais da GNR para comandar a GNR

. Veloso e Silvério esperam há 27 anos, desde que acabaram o curso na Academia Militar, para fazer história e efetivar que Portugal deixe de ser o único país europeu em que uma força de segurança é comandada por oficiais do Exército.

Daqui a pouco mais de duas semanas, a GNR será pela primeira vez comandada por um oficial-general da carreira da Guarda. Rui Ribeiro Veloso e Paulo Silvério foram nesta semana promovidos a tenentes-generais, o mais alto posto da hierarquia, e vão ocupar os lugares de comandante-geral e segundo comandante-geral. Vão fazer história.

Cento e doze anos desde a criação da GNR até 2023, para, pela primeira vez, generais da própria Guarda ascenderem ao topo da hierarquia.

A enorme responsabilidade caberá a Rui Ribeiro Veloso e a Paulo Silvério, que vão ser o comandante-geral e o segundo comandante-geral (sem o respetivamente porque as nomeações não estão oficializadas).

Certo é que ambos foram promovidos nesta quarta-feira ao mais alto posto de tenente-general, em decreto assinado pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, sob proposta do ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro.

Veloso e Silvério esperam há 27 anos, desde que acabaram o curso na Academia Militar, para fazer história e efetivar que Portugal deixe de ser o único país europeu em que uma força de segurança é comandada por oficiais do Exército.

Santos Correia, o atual comandante-geral, fechará a porta de vez ao Exército, quando entregar a chave do quartel-general do Carmo a Veloso e Silvério.

Santos Correia, que José Luís Carneiro tinha nomeado a prazo, em novembro do ano passado, sabendo que teria de sair do posto em setembro deste ano por atingir o limite de idade (62 anos), é já o único general do Exército na GNR.

Já começou a passar as pastas a Ribeiro Veloso, que está nomeado segundo-comandante. Paulo Silvério, por seu turno, foi nomeado agora inspetor-geral da GNR e pode depois subir a número dois. Ambos os postos só podem ser ocupados por tenentes-generais.

A tomada de posse poderá ocorrer logo na primeira semana de setembro e este será também um momento especial para o primeiro-ministro, António Costa.

É da sua autoria, quando ocupou a pasta da Administração Interna, a primeira alteração ao estatuto da GNR que permitiria aos oficiais chegarem a generais e receber o testemunho do Exército.

Mas o então Presidente da República, Cavaco Silva, vetou a alteração em 2006, considerando que podia “afetar negativamente a estabilidade e a coesão da instituição militar”.

Cerca de dez anos depois, em 2017, a então ministra da Administração Interna, Constança Urbano de Sousa, fez uma nova tentativa. Mas, desta vez, piorou a situação, introduzindo a ideia de uma espécie de “generais simplex”, permitindo que os coronéis de carreira da GNR, sem a licenciatura na Academia Militar, pudessem também ascender ao generalato.

Não só quase criou uma revolta entre os oficiais da Academia, a esmagadora maioria dos comandantes da Guarda – que, de repente, viram a sua progressão em causa – como foi também vetada, desta vez por Marcelo Rebelo de Sousa.

É desde 2017, porém, que foram criadas as condições estatutárias para os oficiais da Academia assumirem a liderança. Embora, para alguns, possa ter demorado demasiado tempo, esse tempo chegou.

César Nogueira, que preside à associação socioprofissional mais representativa da GNR e defende há anos que devem ser os oficiais da casa a comandar esta força de segurança – e talvez porque esse é um desejo mesmo muito forte -, ainda vê com algum ceticismo que este momento histórico tenha lugar agora.

Não acredito que sejam já nomeados. O estatuto da GNR prevê que possa ser suspensa a passagem à reserva e que o atual comandante-geral possa fazer os três anos da comissão de serviço”, assevera.

Considera esta transição, que tem sido uma “bandeira” da Associação de Profissionais da Guarda (APG), de “extrema importância” e que “só peca por tardia”.

“A diferença é que os oficiais da casa sabem bem o que é uma força de segurança, foram formados e treinados para isso. Os generais do Exército, por muito mérito que reconhecemos a alguns, não têm esta formação policial. Por muito que tentem vestir a camisola, há sempre uma parte que ainda está do outro lado”, assinala.

Os novos tenentes-generais da GNR “não têm desculpas para errar”, sublinha. “A APG estará atenta para ajudar, como sempre, mas também para apontar os erros“, resume César Nogueira.

Rui Ribeiro Veloso – o oficial da “linha”

“Tanto eu como os meus camaradas trabalhámos para aqui chegar. Estamos muito orgulhosos porque sabemos que fomos escolhidos pelo mérito.”

Foi assim que Rui Ribeiro Veloso comentou a sua escolha, juntamente com a de Paulo Silvério e António Bogas, para serem os primeiros oficiais da GNR a atingirem o patamar de generais.

Nessa conversa com o DN, em 2019, sabiam que esse era o primeiro passo para chegarem onde mais nenhum outro oficial da GNR tinha chegado: ser comandante-geral. Veloso fez esse caminho e está apenas a um passo.

Foi nesta semana promovido a tenente-general e é atualmente segundo comandante-geral, cargo para que foi nomeado na quarta-feira.

Tal como Paulo Silvério, com origem humilde – o pai era jardineiro, a mãe é doméstica -, a família desceu da Guarda à procura de uma vida melhor na capital e Rui nasceu no Monte Estoril.

A carreira militar começou no curso de oficiais milicianos no Centro de Instrução de Operações Especiais, em Lamego, o que lhe propiciou o cognome por que ficou conhecido na Academia Militar – o “oficial Ranger”.

No clima de camaradagem da Academia era incluído no grupo de “oficiais da linha”, porque vinha da zona de Cascais, em contraste com os “oficiais da escancha”, como eram chamados, que vinham do interior.

Integrou o primeiro curso de oficiais para a GNR e foi dos primeiros classificados na licenciatura em Ciências Militares. Ainda se formou em Direito e é doutorando em Direito e Segurança pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

Desde que saiu da Academia, em 1996, fez mais de duas dezenas de cursos e teve um percurso mais ligado à formação e docência.

Foi formador nas escolas de Polícia de Moçambique, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe, professor na Academia Militar, na Escola da Guarda e no Instituto Universitário Militar.

Comandou os destacamentos de trânsito de Carcavelos, Albufeira, Torres Vedras e de Lisboa. Foi oficial de segurança da seleção portuguesa no Euro 2004 e fez parte do núcleo duro que esteve, em 2006, na génese do Grupo de Intervenção Prevenção e Socorro (GIPS) da GNR, a força de intervenção de primeira linha nos incêndios.

Viria depois a ser o seu comandante máximo em 2018, já depois das tragédias dos fogos de 2017 e sentiu “um grande peso de responsabilidade”.

Desde que foi promovido a oficial-general, foi comandante operacional da GNR (número três da hierarquia) e agora é o número dois.

Tem 13 medalhas e louvores. Na GNR é esperado que suba ao topo da hierarquia. A responsabilidade é enorme. Terá de mostrar aos seus homens e mulheres que valeu a pena esperar. E que o país fica a ganhar mais proteção e segurança.

Paulo Silvério – “Coragem e sangue frio”

Dizem de Paulo Silvério que é alguém em que nenhum militar hesitaria em colocar nas mãos a sua vida. Na GNR é “O Comandante” com todo o significado objetivo e subjetivo da palavra.

Emana tranquilidade e segurança, a par de humildade e determinação. Era assim há 19 anos, jovem capitão do Batalhão de Operações Especiais, quando seguia viagem no Hércules C130 da Força Aérea Portuguesa para Nasiriyah, no Iraque, onde foi comandar o subagrupamento Alfa, o 2.º contingente da GNR numa missão de alto risco, de apoio à paz, de alto risco.

Ainda era essa a essência do agora tenente-general Paulo Silvério quando falámos com ele em 2019, por altura da sua escolha para o curso de promoção a oficial-general. Estava à frente do Comando Territorial de Santarém, com mais de mil homens sob as suas ordens.

Nascido em Angola em 1970, veio com a família para Portugal ainda miúdo. Instalaram-se no Cartaxo, onde cresceu e estudou.

Tal como Rui Ribeiro Veloso é também de origens humildes, o pai era mecânico de automóveis e a mãe doméstica. Não queria ser um peso para os pais e fez questão em ajudar a família: trabalhou nas obras, nas apanhas de tomate e até a abrir furos de água para a Companhia das Lezírias.

Alistou-se nos Paraquedistas e chegou a comandante do pelotão operacional. Foi dos melhores alunos no curso da Academia e foi sempre equilibrando no seu percurso funções de instrutor e docência (foi o primeiro oficial da Guarda a dar aulas no Instituto de Estudos Superiores Militares, atual Instituto Universitário Militar) com as de operacional puro e duro nas unidades de elite da Guarda, desde comandante de pelotões de ordem pública a companhias, tendo chegado a comandante máximo da Unidade de Intervenção, onde esteve até esta quarta-feira, quando foi nomeado inspetor-geral da Guarda.

É licenciado em Direito e doutorando em Direito e Segurança pela Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

Muitos militares na GNR não hesitam em elegê-lo para comandante-geral, pelo percurso e pela capacidade de liderança que já demonstrou.

“Auto-domínio, sangue-frio e serena energia”, “coragem e bravura quando se expõe aos perigos”, “exemplo de excecional comandante” – descreveu o ex-ministro da Administração Interna, António Figueiredo Lopes, no louvor que lhe concedeu pela sua missão no Iraque.

Foram os seus homens que sofreram uma emboscada quando faziam um reconhecimento de uma área de grupos rebeldes, tendo três deles ficado feridos com estilhaços de granadas.

Neste momento grave, a personalidade de Paulo Silvério foi determinante na liderança e na motivação dos militares. “Foi um período de grande tensão”, recordou Silvério, não deixando de ver sempre o lado otimista de terem sido “apenas três feridos”, tendo em conta a dimensão da explosão. “Há coisas verdadeiramente inexplicáveis”, sublinha.

Antes do Iraque, tinha comandado um pelotão de Manutenção de Ordem Pública, no primeiro contingente da GNR que aterrou em Timor-Leste, corria o ano de 2000.

Regressado das duas duras missões em teatros de risco, Paulo Silvério sacudiu o pó e o calor das fardas e instalou-se no fresco comando-geral da GNR, onde trabalhou com Ribeiro Veloso na criação do GIPS e foi seu número dois.

Quando lhe perguntámos, em 2019, o que era chegar a general, respondeu, depois de ponderar, como sempre, uns instantes: “É sem dúvida um marco histórico para os oficiais da GNR, mas também uma responsabilidade acrescida e a consciência que nesta fase de transição, na qual vamos começar a assumir topo da hierarquia da Guarda, temos de representar todos. Conhecemos toda a estrutura, da base ao topo, a nossa ligação com as populações que servimos é muito grande“.

* Com a devida vénia a Lusa e Global Imagens bem como ao Público

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