O jornalismo local pode ser salvo?

A problemática aqui abordada cita outros países. No entaanto, o problema é igual em Portugal ou mesmo agravado devido ao nível de literacia.

. O jornalismo local pode ser salvo?

Toda a política é local“, proclama um velho ditado americano. Isso pode explicar em parte por que a política democrática está a passar tão mal, especialmente, mas não só, nos Estados Unidos. Para que o governo local funcione adequadamente, deve haver jornalismo local para responsabilizar políticos e legisladores, mas o jornalismo local está a entrar em colapso em muitas partes do mundo.

Isso torna mais difícil aos cidadãos ligarem-se à vida cívica, tanto a nível local, quanto, no fim, a nível nacional. Problemas locais que poderiam ter um significado mais amplo não são relatados e muitos dos efeitos locais das políticas nacionais não são reconhecidos. Embora não haja uma “solução” única para o declínio do jornalismo local, não estamos indefesos.

Experiências em diferentes países sugerem formas de revitalizar a reportagem local. Todas fazem da produção de notícias de interesse público uma prioridade, por quaisquer meios económicos disponíveis, em vez de tentar resgatar abordagens comerciais ultrapassadas.

Durante a maior parte do século XX, o negócio de notícias dependeu da receita de publicidade, mas esse modelo começou a entrar em colapso no final dos anos 1990, quando a internet se tornou omnipresente.

O jornalismo local foi duramente atingido, não apenas porque os anúncios migraram para quadros de classificados online gratuitos (como o Craigslist), mas também porque os jornais locais careciam de recursos para construir uma presença atraente na rede que pudesse sustentar um modelo de assinatura bem-sucedido.

As consequências têm sido dramáticas.

Segundo algumas estimativas, um terço dos jornais que existiam nos EUA em 2005 terão desaparecido em 2025. Cerca de 70 milhões de cidadãos americanos já vivem em “desertos de notícias” ou viverão em breve. No Reino Unido, 320 jornais locais fecharam entre 2009 e 2019. As sociedades de capitais de investimento que têm vindo a comprar organizações de notícias tendem a piorar as coisas. Em vez de investir em jornalismo, o seu foco é reduzir impiedosamente o tamanho das redações e vender prédios de jornais (muitos dos quais estão em locais lucrativos no centro da cidade).

As implicações para a democracia são inequívocas.

Cientistas sociais que estudam a questão demonstraram claramente que menos jornalismo local resulta em níveis mais altos de corrupção, prejudica a competição política e reduz o envolvimento dos cidadãos.

Como os políticos que representam áreas rurais ou negligenciadas estão sujeitos a menos responsabilidade, os efeitos das suas decisões sobre os seus constituintes também têm menos probabilidade de serem investigados adequadamente. Mesmo que haja uma boa reportagem local, muitas vezes ela permanece local. A mentira em série de George Santos era conhecida em Long Island e coberta por um jornal local, mas não se tornou uma notícia nacional até semanas depois de ele ser eleito para o Congresso.

Para piorar a situação, o vácuo criado pela ausência de notícias locais costuma ser preenchido por guerras culturais nacionais. É claro que o envolvimento com questões locais não torna automaticamente as pessoas mais civilizadas ou pragmáticas. As disputas entre vizinhos costumam ser as mais desagradáveis de todas e as guerras culturais podem ser facilmente alimentadas a nível local por agentes que criam pânico moral através de veículos de propaganda projetados para se parecerem com jornais.

Nesses casos, ativistas cínicos estão a aproveitar-se do facto de a maioria das pessoas continuar a confiar mais nas publicações locais. Esse “jornalismo de lodo cor-de-rosa” (uma referência ao enchimento da carne processada) serve apenas para fomentar a acrimónia e a polarização. Tendo sido inundadas com teorias da conspiração e propaganda disfarçada de reportagem, as pessoas que vivem em desertos de notícias geralmente nem percebem necessariamente que estão a ser privadas de notícias.

Embora nenhum modelo de negócio único tenha surgido como um substituto confiável para a receita de publicidade, existem alternativas à tirania do mercado. Consideremos a filantropia. Embora haja um perigo óbvio de criar dependências ou conflitos de interesses, uma mistura de financiamento filantrópico e voluntariado pode dar origem a iniciativas inspiradoras, como Report for America que coloca pessoas em redações locais para cobrir questões subnotificadas.

Além disso, países como o Reino Unido podem facilitar que o jornalismo se qualifique como uma atividade beneficente e os governos de todo o mundo podem fornecer subsídios. O perigo de criar dependências ou conflitos de interesses é evitável se houver camadas suficientes entre o Estado e os destinatários do dinheiro do contribuinte.

Ao contrário do que Elon Musk quer que as pessoas pensem quando difama a emissora norte-americana NPR como “media afiliada ao Estado”, mecanismos para isolar jornalistas de pressões políticas há muito que estão disponíveis no serviço público de radiodifusão. Não há razão para que eles não possam ser estendidos também ao jornalismo local.

Outras abordagens inovadoras incluem organizações de notícias pertencentes a funcionários e à comunidade. O Philadelphia Inquirer, por exemplo, é administrado como uma empresa de utilidade pública e pertence a um instituto sem fins lucrativos dedicado a revigorar o jornalismo local. De qualquer forma, o que importa não é apenas que as organizações de notícias recebam financiamento suficiente, é que elas também façam uso criativo da tecnologia para envolver o público local e, idealmente, permitir que comunidades anteriormente marginalizadas gerem as suas próprias reportagens.

A democracia depende da comunicação. Mas a comunicação efetiva, por sua vez, depende do entendimento de quais são as decisões democráticas que realmente importam. Para esse fim, a State Newsroom, sem fins lucrativos, com sede nos EUA, concentra-se diretamente nas políticas estaduais que afetam os cidadãos de maneiras que não são óbvias, mesmo para os relativamente bem informados.

O programa Documenters treina e paga as pessoas para relatar as reuniões do governo local que, de outra forma, passariam despercebidas. E a BBC, por sua vez, fez parceria com jornais locais para aumentar a quantidade e a qualidade das reportagens locais, enviando um sinal claro de que as decisões no terreno são importantes.

Algumas abordagens funcionarão melhor que outras, dependendo da localidade. De modo geral, é crucial evitar estratégias que beneficiem principalmente grandes empresas jornalísticas regionais ou mesmo nacionais, em vez de instituições locais. Planos bem-intencionados para permitir que os jornais negoceiem taxas de conteúdo de grandes plataformas como o Google funcionaram para poderosas empresas de comunicação social na Austrália e ainda podem funcionar para grandes organizações nos EUA, graças à Lei de Concorrência e Preservação do Jornalismo, mas o dinheiro também deve ir para a base. O objetivo, afinal, é gerar notícias genuínas de interesse público sobre e de lugares esquecidos ou ignorados.

Professor de Política na Universidade de Princeton, é o autor, mais recentemente, de Democracy Rules (Farrar, Straus and Giroux, 2021; Allen Lane, 2021).

© Project Syndicate, 2023.

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