No Outono de 2021 a Geringonça finou-se.
Cansados pelo esforço inglório de procurar que o Governo minoritário do PS “fizesse alguma coisita de esquerda”, primeiro o BE e depois o PCP decidiram, e bem, retirar-lhe o seu apoio político. Consequentemente, o Governo minoritário do PS caiu, o PR dissolveu a AR e convocou Eleições Legislativas antecipadas. Realizado o ato eleitoral em janeiro de 2022, e contra todas as expectativas, os portugueses deram a “maioria absoluta” ao PS. Não que o PS a merecesse, mas sim por temerem que a Direita coligada com a Extrema-Direita regressasse ao poder.
Um ano passado desta Legislatura importa analisar quão útil tem sido a “maioria absoluta” que o povo, magnânimo, deu ao PS. E o resultado é confrangedor:
O Serviço Nacional de Saúde degrada-se a cada dia que passa. 1,4 milhões de utentes sem médico de família, e milhares de consultas de especialidade e cirurgias aguardam intoleráveis tempos de espera, tal como as juntas médicas, que têm um tempo médio de espera de 17 meses. As urgências hospitalares “rebentam pelas costuras” ou, simplesmente, encerram por falta de profissionais de saúde. O acesso aos Cuidados Primários de Saúde desesperam os utentes, e em muitas localidades a marcação de uma simples consulta implica passar a noite ao relento à porta do Centro de Saúde para ganhar vez. Há 1500 doentes em lista de espera de internamento em Unidades de Cuidados Continuados.
Entretanto, 40% do orçamento do SNS vai direitinho para o negócio da medicina privada!
A Escola Pública vive, há muitos anos, em permanente instabilidade: a falta de professores e assistentes operacionais abrange, com mais ou menos intensidade, todas as regiões do país. Há cerca de 60.000 alunos sem professor, pelo menos a uma disciplina. Um professor do Minho é colocado no Alentejo, e vice-versa, sem quaisquer ajudas de custo para deslocações e alojamento. A carreira profissional dos professores não só potencia a precariedade, como lhe é sonegado o tempo de serviço em que esteve congelada. Entretanto, o 1º ministro António Costa não perde uma oportunidade para exaltar “a geração mais qualificada de sempre”!
A Segurança Social mais parece um Centro de Caridade: em vez de pensões dignas distribuem-se, pouco criteriosamente, ajudas pecuniárias avulsas. As pensões de Velhice e de Invalidez inferiores ao salário mínimo cobrem 72% e 87% do universo de pensionistas e do universo de pensionistas por invalidez, respetivamente. A reforma depois de requerida demora 9 meses a ser processada.
A coberto de uma operação de marketing político, cortam-se 1000 milhões de euros nas pensões futuras. Entretanto, a reformulação das fontes contributivas marca passo!
A Habitação é uma miragem: a maioria dos jovens não consegue arrendar um apartamento com o magro salário que recebe, e isso explica, em parte, porque abandonam a casa dos pais tão tarde (em média aos 33 anos).
O aumento das taxas de juro faz disparar a prestação do crédito da habitação para valores muito superiores à taxa de esforço das famílias. Há 723.000 fogos vazios a degradarem-se. O edificado público não ultrapassa os 2%, exatamente o mesmo que o 1º ministro António Costa encontrou quando, em 2015 tomou posse. Entretanto, a lei “Cristas (e a continuação dos despejos) mantem-se em vigor!
A Pobreza é uma chaga social: quase metade dos portugueses são pobres.
O salário mínimo bruto é de 765 Euros/mês, e é auferido por de 25% dos trabalhadores. Cerca de 70% dos trabalhadores ganham um salário bruto abaixo dos 1000 Euros/mês. O salário médio bruto ronda os 1370 Euros/mês. As mulheres ganham em média 14% menos que os homens. Cerca de 700.000 famílias têm carências energéticas extremas. 488.000 idosos vive só. Os sem-abrigo multiplicam-se nas grandes cidades como cogumelos em manhãs de nevoeiro, atapetando as entradas dos prédios com as suas camas improvisadas de cartão. Entretanto, 44% da riqueza do país está concentrada em 5% da população!
A corrupção alastra, impunemente: no contexto europeu, o país desceu uma posição (situa-se agora na 16ª posição) no Índice de Perceção da Corrupção de 2022. Entretanto, a Comissão de Transparência criada há 3 anos ainda não entrou em funções!
As Assimetrias Regionais em vez de se esbaterem aprofundam-se. Entretanto, andamos há quase meio século a discutir a Regionalização! Resumindo: abençoada “democracia liberal” que tais frutos dá!
Seria, porem, injusto atribuir apenas ao PS a responsabilidade pelo estado em que se encontra o país, uma vez que divide com a Direita o tempo de governação. Como seria pouco sério ignorar a nefasta influência de fatores externos que não dominamos. Seja como for, não há a mais pequena dúvida de que o PS tem particulares responsabilidades neste estado de coisas, já que desbaratou a oportunidade que a Geringonça lhe ofereceu para se regenerar.
Na verdade, em vez de considerar a Geringonça um instrumento político para desenvolver o país, o PS apenas viu nela um expediente para alcançar o poder e, a partir dele, recuperar o eleitorado perdido. Não obstante, na primeira Legislatura ainda foi possível ao PCP e ao BE contrariar esta estratégia do PS e reverter muitas medidas da Troika; mas na segunda Legislatura, cedo se viu que o PS estava decidido a travar todas as iniciativas políticas (Salário Mínimo, Leis Laborais, SNS, Escola Pública, Habitação, etc.) que tinham como objetivo melhorar a vida dos trabalhadores, Esta tensão política só poderia ter como resultado a rotura. E foi o que aconteceu. Logo que pode, o PS livrou-se dos “empecilhos”, como então chamou ao PCP e ao BE!
Obtida a “maioria absoluta”, o PS rapidamente voltou às velhas “políticas de direita”. Fazendo jus com as “contas certas”, como se o Ministério das Finanças fosse a mercearia da esquina, recusa-se a investir nos Serviços Públicos e a aumentar os salários e pensões, enquanto o custo de vida não para de subir. E ainda que o alto nível de inflação baixe ligeiramente, tal não se reflete no custo dos preços dos bens essenciais dado que depois de subirem, dificilmente descem. Resultado: os trabalhadores empobrecem todos os dias! E não diga o Governo PS que não há dinheiro, pois 17 mil milhões de Euros de Impostos e Contribuições para a Segurança Social não são cobrados (OCDE/2020), e os não residentes em Portugal continuam a ter incompreensíveis benefícios fiscais (1.000 milhões de Euros)!
Respaldado na “maioria absoluta” o Governo PS cedo adotou um arrogante estilo de fazer política (habituem-se) do qual acabou por ser vítima, já que essa postura impediu que visse a sua fragilidade interna. E incrédulos, assistimos durante meses à sua desintegração nos telejornais da noite. A prometida “estabilidade” que, supostamente, a “maioria absoluta” garantia, esfumou-se. E a contestação social cresce todos os dias.
Neste contexto coloca-se à Esquerda um complexo dilema cuja resolução exige uma ação política inteligente, firme e coordenada.
Por um lado, o acelerado desgaste do PS não só põe em perigo uma maioria de deputados PS/PCP/BE nas próximas Eleições Legislativas (antecipadas, muito provavelmente) como, se tal acontecer, será real o perigo da Extrema-Direita aceder ao poder; por outro, o PCP e o BE não podem ceder à chantagem que o PS fará (nós…ou a extrema-direita vem aí!), porque apoiar as políticas do PS, que pouco diferem das políticas da Direita, seria o suicídio político da Esquerda.
Então, que fazer? Retirar a “maioria absoluta” ao PS, sem pôr em causa a continuidade de uma maioria de deputados PS/PCP/BE. Ora, isto só se consegue com uma substancial subida eleitoral do PCP e do BE. Como concretizá-la é a questão que deve preocupar os seus dirigentes e militantes. A mim parece-me óbvio, que só com a formalização de uma Coligação Democrática Eleitoral PCP/BE se poderá atingir tal objetivo. Esta Coligação Eleitoral cumpriria o seu papel institucional concorrendo já às próximas Eleições Europeias, Autárquicas e Legislativas. Estas últimas dariam lugar a dois grupos parlamentares distintos após o ato eleitoral. Uma vez formalizada a Coligação Eleitoral seria desenvolvida no plano social e cultural uma mobilização geral de apoio (Movimentos de Esquerda, Associações Cívicas, Coletividades, figuras publicas, etc.) de forma a torna-la, verdadeiramente, num movimento popular de massas.
Sabemos por experiência própria que o PS só inverterá o rumo das suas políticas se a isso for obrigado. E não será a sua impropriamente chamada “ala esquerda” que o obrigará a fazer. Tão pouco o fará o PCP ou o BE enquanto tiverem a sua atual expressão eleitoral. Do corolário lógico desta tese resulta que, no curto/médio prazo só uma Coligação Eleitoral PCP/BE será capaz de alcançar uma expressão eleitoral capaz de impor ao PS já não uma Geringonça, mas algo mais sólido e estruturado, com um Programa escrito, assinado e divulgado para cumprir na próxima Legislatura. Por outro lado, tal Coligação Eleitoral permitiria já nas próximas Eleições Autárquicas recuperar Importantes Câmaras Municipais perdidas em anteriores Eleições Autárquicas, bem como conquistar outras pela primeira vez. Não excluo mesmo a possibilidade desta Coligação Eleitoral, a concretizar-se, conseguir ser a terceira força política no país, o que politicamente seria de extrema importância na luta que urge travar contra a extrema-direita.
Sei que em política o óbvio nem sempre é fácil de enxergar, muito menos quando o passado, os preconceitos e o sectarismo se metem de permeio.
Apelo por isso ao PCP e ao BE que reflitam bem nesta proposta. Continuar a fazer o rotineiro e o trivial, só pode ter como resultado “mais do mesmo”.
O sofrido povo português precisa de recuperar a esperança no 25 de Abril.
* Manuel Oliveira, Colunista do Jornal de Oleiros
Efectivamente, a situação geral do país (das pessoas) degradou-se drasticamente e o PCP e BLOCO, têm imensa resposabilidade nisso. Acabaram com a Geringonça e eis o resultado…..deviam ter-se mantido lá.
Tens razão Jorge, abraço