25 Abril, 40 Anos, 40 Depoimentos, hoje com Vítor Pereira e Pedro Salvado

Os quarenta anos que passaram sobre aquela madrugada de Abril,em 1974, carregam com eles as mais variadas e diferentes memórias consoante o local em que se encontravam, a idade que tinham, a vivência que experimentaram e até o percurso que fizeram aos longo destas quatro décadas os nossos convidados de hoje e são bem o exemplo disso mesmo. Vítor Pereira, advogado que à terceira tentativa, atingiu o objetivo de conquistar a confiança do eleitorado do concelho da Covilhã, tornando-se no seu presidente de câmara e Pedro Salvado, historiador que nos conta as peripécias sentidas e vividas no tempo da Revolução, em Castelo Branco. Dessas memórias nascem duas avaliações deste tempo, passados que foram 40 anos, em tudo ou quase tudo diferentes. Aqui ficam!

1ª – Onde se encontrava no dia 25 de Abril de 1974?

Frequentava o 2º ano do Ciclo Preparatório e logo pela manhã, ao chegar às aulas, no Teixoso, disseram-nos que a rádio estava a noticiar que “tinha havido uma revolução em Lisboa”. E as aulas foram suspensas…

2ª – O que representa para si, passados 40 anos, o 25 de Abril?

 

O 25 de Abril continua hoje a representar um símbolo de liberdade e sobretudo de esperança. Da esperança de um povo que, após décadas de ditadura e sofrimento, espera da democracia e dos seus dirigentes políticos uma liderança competente que nos conduza colectivamente no caminho do desenvolvimento, do progresso, da diminuição das desigualdades sociais, da solidariedade, da superação e da melhoria das condições de vida colectiva.

O 25 de Abril continua a ser também uma oportunidade para celebrar esta importante data da quase milenar história do nosso País e um momento para transmitir às gerações mais novas a importância dos valores da liberdade, da democracia, da solidariedade, da justiça, da fraternidade, do desenvolvimento, do progresso social e da importância e responsabilidade de intervenção cívica individual nas decisões colectivas.

O 25 de Abril corporiza e promove ainda o culto do sentimento de insatisfação permanente e da capacidade de sonhar e acreditar no futuro. E é essa capacidade de sonhar e de acreditar que nos levará a construir um mundo melhor, mais justo e mais solidário.

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1ª – Onde se encontrava no dia 25 de Abril de 1974?

 

Manhã nublada. Frequentava o antigo ciclo preparatório, na escola Afonso de Paiva, construções que marcavam os subúrbios campestres do Oeste da pequena urbe então tão albicasta. Quando se saltavam os derrubes dos grandes muros que afirmavam as quintas começavam os territórios das nossas exíguas descobertas e liberdades. Foi no intervalo das 10 e 30 da manhã, depois da aula de Desenho do saudoso engenheiro Russinho que percebemos que alguma coisa se passava de relevante na então tão remota Lisboa. Tropa, tiros, exército, algo de grave, situação má foram as palavras e expressões que mais escutámos entre os toques das campainhas. Uma professora de Moral assustou-nos à saída da escola: “ O que estava a acontecer era muito mau”. Nunca mais me esqueci da cara temorosa da minha irmã e da Lurdinhas. Nesse dia, a RTP não transmitiu a série de desenhos animados “As aventuras de Tintim”. A televisão espanhola dominou como sempre a minha tarde e a dos meus irmãos mas, nesse dia, o meu pai insistia em ouvir e ver um plano cinza nacional de vez em quando dominado pela cara dos apresentadores e pelos sons de marchas militares. “Shut, calem-se!” Determinava o pai perante a algazarra das brincadeiras do Gonçalinho e da tranquila Isabelinha. Ensonado ia para a cama quando apareceu no ecrã um senhor com um monóculo. A mãe clamou num aparentemente contraditório sincretismo de sentires com a triste lição do Chile presente): “Não é um golpe fascista, graças a Deus”. E, mais tarde para o que era costume, lá fui dormir a pensar que o tal senhor do monóculo era parecido com o general Alcazar do Tintim. Não imaginava que nesse dia se tinha iniciado a imensa aventura da minha geração. Era mais um filho da sonhada madrugada coberta pelo manto da luminosa da Liberdade.

2ª – O que representa para si, passados 40 anos, o 25 de Abril?

Para quem faz anos no dia 1 de Dezembro, o valor simbólico associado a certas datas tem outro peso. Se o 25 de Abril continua a marcar o meu calendário vivencial? Claro que sim. Sempre. Mais não seja para cumprir e periodicamente avivar a importância dos seus valores, respondendo à pergunta da minha filha Diana: “O que é que foi a revolução dos cravos?” Creio que mais do que a repetibilidade de uma tradição despojada de sentires, comemorar Abril constitui um dever de cidadania assumindo que somos, não um mero número estatístico amorfo, mas sim cidadãos e cidadãs da República. Abril obriga-nos a refletir sobre a nossa verdadeira identidade, sobre a cartografia dos nossos medos e sonhos e sobre qual foi a evolução em que o nosso sistema democrático se assenta avivando o papel, o insubstituível papel, que todos possuímos na construção do futuro para a nossa região e para Portugal. Abril valeu ou vale a pena? Sim valeu muito a pena. Há uma memória e uma História de Abril que não podemos esquecer nunca.

 

Detemos um dever de memória para com aqueles que, naquela manhã de toas as esperanças, refundaram, com convicção, as expressões da nossa civilidade mais intensa (os resistentes e combatentes da Ditadura, as mães que tanto sofreram com Guerra Colonial, os nossos avós emigrantes que enriqueceram a Europa que agora nos nega e nos rouba o pão e, principalmente, os Capitães de Abril e nunca e nunca introduzir em Abril aqueles poderes pessoais liliputianos que brotaram a partir da construção do sistema após a Constituição…já nos calmos dias dos 26 de Abril). Nestes quarenta anos houve uma nova civilidade portuguesa que se afirmou e se enraizou no colectivo firmando os valores da Fraternidade, da Democracia e da Liberdade, sempre em mutação, mas mantendo a seiva inicial. O 25 de Abril, mais do que uma data, é uma firme permanência da vontade de mudança. Encaro-o como um desígnio em realização permanente, em reactualização e reativação constantes tendente à emergência de um futuro que se ansiou ser sempre mais digno e atenuador de todas as gritantes assimetrias sociais, económicas e culturais ainda presentes na sociedade portuguesa. Comemorar Abril é reinventar a vontade e a persistência nessa mudança. Uma mudança que tem que englobar toda a sociedade e não apenas ser construída a partir dos partidos que tantas vezes, nestes quarenta anos, se esqueceram das dimensões sociais e verdadeiramente políticas da gestão do todo da República, em favor dos confortos circunstanciais do poder dito do arco rotativo, a favor do mercado e dos negócios. A política não é um ócio nem um negócio que anulam e ofuscam os grandes e imorredoiros valores republicanos da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.

Devo a minha consciência política a minha mãe, ao saudoso mestre de interioridades territoriais António Paulouro e ao meu fraternal Amigo Joaquim Duarte (aqui fica o registo da fonte do pensar). Foram eles que me ensinaram a, regionalmente, distinguir cravos de beterraba sacarina, uma superfície frontal da espuma dos dias, a esperança da fome, o interior e a interioridade, o trigo do joio… Esforcemo-nos: Abril tem de ser sempre algo mais do que palavras ocas e gastas, tipograficamente frias e distantes, tanto da razão como do coração. Afinal o 25 de Abril, como escreveu Sofia foi “o dia inicial inteiro e limpo”. Acção sobre os céus cinzentos, já!


 

 

 

 

 

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