A necessidade de enfatizar algumas das contribuições dos Profetas judaicos para a cultura ocidental é porque forneceram elementos essenciais ao seu ideário básico que devemos compreender para entendermos bem quem somos fundamentalmente.
Em primeiro lugar, o Profeta Ezequiel é comummente chamado de “o pai do judaísmo”. Com ele a revelação da natureza de Deus como Criador e Redentor ganhou maior abrangência e clareza do que anteriormente. O seu pensamento a este respeito tinha cinco elementos de originalidade: Primeiro, o Concerto divino de que Deus queria remir todas as nações através de Israel porque é o Senhor da História. Portanto, surpreendentemente o babilónico Rei Ciro devia ser encarado pelos judeus como um dos “ungidos” divinos com a tarefa de conquistar e reunir as nações rumo ao destino por Si delineado de promover justiça e bênção a todo o mundo. Ou seja, uma alteração radical do paradigma espiritual e político com o objetivo divino de promover verdadeiro desenvolvimento socioeconómico e teológico numa visão globalizada. Segundo, Deus remiria e restauraria por fim a Israel apesar da sua obstinação e pecados. Deve entender-se aqui que o povo judeu tinha a tendência para a obediência obstinada às suas tradições e princípios religiosos sem os questionar ou melhorar. E também que o verdadeiro conceito de pecado é errar o alvo certo, ou seja, não atingir exatamente o que Deus de fato determinou como válido e acertado para desenvolver e abençoar os indivíduos e a sociedade com justiça e direito inalienáveis.
Terceiro, como Criador e Mestre de todas as coisas na História Deus desdenha e odeia a idolatria. Assim, a sociedade deve abandonar determinadamente os pensamentos mesquinhos relativamente às crendices e superstições impróprias de indivíduos cultos e educados numa sociedade evoluída que quer o desenvolvimento global. A implicação aqui é que os povos devem ser corretamente educados de modo a aspirarem conjuntamente a paradigmas de pensamento social mais elevados, cujo enquadramento filosófico e ético esteja de acordo com os elevados princípios morais e éticos bíblicos. Quarto, Deus planeara enviar o “Seu Servo” para remir todas as nações pela Sua fidelidade e sofrimento. Obviamente Ezequiel entendia bem o pensamento profético messiânico ligado às ideias das Escolas de Profetas desde o Profeta Samuel e o Rei David. Este pensamento profético antigo tinha vindo a impactar sucessivas gerações que o interpretaram para si de modo fresco e atual. O que importava não era a antiguidade do pensamento mas a sua atualidade e relevância para as gerações atuais. O Messias estava a chegar.
E quinto, porque a provisão salvífica do Messias era para todas as nações o povo judeu devia encarar o seu destino num sentido globalizado e não mais num sentido exclusivista e nacionalista. Qualquer povo que mergulhe no culto do nacionalismo exacerbado eventualmente essa atitude arrogante lhe obscurecerá o vigor da sua identidade e acima de tudo perderá a objetividade necessária à visão do seu futuro destino e continuidade. Não conseguirá reformar-se nem reinventar-se e assim perde a relevância internacional. O que glorifica um povo não é o que ganhou para si mesmo, mas o que fez com isso, e o que afinal com isso contribuiu para o bem-estar e desenvolvimento dos outros povos a nível mundial.
Em segundo lugar, o Profeta Isaías contribuiu também com alguns elementos essenciais à identidade cultural ocidental.
Primeiro, apresentou um conceito fresco do Deus de Israel como sendo absolutamente santo e totalmente diferente de todos os outros deuses, e assim até mesmo o culto aos deuses babilónicos esmoreceu face a tal teologia avançada. Isaías enfatizou a santidade e a diferença do Deus dos israelitas mas agora com um papel e intenção global, semeando assim um conceito novo do papel de Deus no desenvolvimento sociocultural, sociopolítico, socioeconómico e de desenvolvimento mundial. O Seu projeto final era o do estabelecimento a partir de então dum processo de desenvolvimento moral, ético e filosófico absoluto quer dos indivíduos em particular como das sociedades em geral. E estes são subjacentes ao desenvolvimento intelectual e socioeconómico. Para Isaías Deus era o Senhor de tudo, desempenhando o papel fundamental de dirigir cada momento e evento histórico, fosse o nascimento duma criança ou as vicissitudes dramáticas e eventual queda dos grandes impérios. E portanto a profecia de Isaías deixou um impacto permanente no pensamento do ocidente.
Segundo, de forma sucinta os conceitos de Isaías tinham a ver com mais três áreas distintas: A revelação profética mais precisa e acertada que implicava maior honestidade e seriedade em analisar criticamente a história e a teologia da existência do povo hebreu, para depois perceber como resolver e com que visão clara se devia enfrentar ao futuro; O monoteísmo absoluto que separaria os cidadãos de pensamentos e práticas perversas e ultrapassadas, levando-os a um tipo de moral e de ética muito mais elevada, autodisciplinada e evidentemente diferenciada; E as promessas divinas da provisão de expiação redentora que definitivamente ligariam os indivíduos e as sociedades como parceiros de Deus deliberadamente e conscientemente intervenientes nos fluidos normativos da História inventada e dirigida por Si até à “perfeição social” e eventual fim dos tempos.
A sua profecia tratou de temas como a incarnação de Cristo, o conceito característico de divindade no ocidente, a realidade ulterior, e a interpretação e relacionamento entre o sofrimento humano e a redenção. A teologia de Isaías sublinhou assim um monoteísmo radical e original. A sua profecia sobre o “Servo de Jeová” – tal como a de Ezequiel – exerce uma profunda e permanente influência no ideário ocidental como ideia central crucial no pensamento religioso posterior do ocidente, através do cristianismo. Para as comunidades cristãs primitivas Jesus Cristo era sem dúvida a encarnação profetizada do “Servo de Jeová”.
Em terceiro lugar, outra das contribuições fundamentais dos Profetas judeus para a cultura ocidental que permanece viva são as Sagradas Escrituras, ou Bíblia Sagrada como são hoje conhecidas. Partindo das práticas tradicionais religiosas com os sacrifícios no templo e os hábitos mais antigos, os hebreus reinventaram-se e transformaram-se em judeus durante o cativeiro babilónico. E assumiram-se como “O Povo do Livro”, criativamente preservando no Livro sagrado o pensamento teológico, filosófico, e ético dos seus antepassados hebreus. Por isso os seus escritos são tão disseminados e respeitados no ocidente sendo indiscutivelmente ainda hoje a Bíblia o livro mais produzido e vendido do mundo. A Bíblia é pelo menos tão importante como a contribuição literária dos filósofos gregos que mencionaremos noutro artigo. De acordo com os filósofos mais respeitados da história do ocidente, os Profetas judaicos e os filósofos gregos são as duas fontes contribuintes mais criativas e significantes da herança espiritual e intelectual da cultura ocidental. E deve notar-se aqui que são contribuintes mundiais para o pensamento posterior conjuntamente com outros vultos incontornáveis da civilização global. Porque o sétimo século antes de Cristo assistiu globalmente ao surgimento duma atividade intelectual e espiritual sem precedentes na história em várias partes do mundo – e sem muitas conexões entre si devido ao isolamento, faltas de comunicação e grandes distâncias geográficas – até então e mesmo depois dessa época: Ezequiel e Isaías entre o povo judeu; Gautama o Buda na Índia; Confúcio na China; e os filósofos gregos na Ásia Menor.
E em quarto lugar, a instituição das sinagogas judaicas para a preservação e promoção dos valores e verdades hebraicas em forma reformada e com visão global acabou por influenciar todo ocidente até hoje, ensinando e difundindo os pensamentos dos Profetas Judeus por todo o mundo.
Nestes tempos de crise de identidade Portugal precisa de redefinição dos seus paradigmas de identidade histórica, reformando-se, e reinventando-se para se contextualizar e tornar-se de novo globalmente relevante como o foi no passado.
(Continua no próximo artigo)
Por Fernando Silva