Situada na encruzilhada da Ásia, da África, e da Europa as gentes da ilha de Creta prosperavam recebendo influências da interação com os povos com quem comerciavam. Com 200 quilómetros de comprimento e 58 de largura, fronteiras naturais demarcadas pelo mar e uma economia marcadamente ligada à internacionalização este povo desenvolveu o conceito de “estado”, particularmente com o Rei Minos. Daí ser conhecido por reino minoico.
Em conjunto com a cicládica e a micénica a civilização minoica foi uma das contribuintes mais importantes para a cultura ocidental de todo o Egeu antes da chegada dos gregos micénicos. A Odisseia de Homero menciona uma das primeiras referências históricas à civilização da ilha de Creta como muito heterogénica mesclando acádios, dórios, pelasgos, sidónios, fenícios, e os nativos cretenses pré helénicos. E os Actos dos Apóstolos também mencionam cretenses presentes em Jerusalém aquando da extraordinária experiência cristã do Pentecostes. Mas já desde tempos remotos esta civilização rivalizava com a da Mesopotâmia e a do Egito recebendo no entanto influências destas devido às intensas trocas comerciais. O esplendor do palácio descoberto pelo arqueólogo britânico Arthur John Evans na capital Cenosos ostentava quatro pisos delicadamente decorados com frescos nas imensas dependências e salas, incluindo a do trono. Depois da destruição provocada especulativamente por um terramoto cerca do ano 1700 BC., estabeleceu-se uma dinastia ainda mais brilhante com administração estatal devidamente estabelecida, uma contabilidade extremamente organizada, e uma visão comercial globalizada e respeitadora da lei da diversidade cultural e humana.
O desenvolvimento e a prosperidade de Creta rapidamente substituíram a da Mesopotâmia e do Egito governando o grande mar Mediterrâneo. As belas artes eram estudadas para projetarem ainda mais o prestígio das gentes da ilha embelezando e decorando as casas, pelo menos dos mais abastados. A arquitetura e a construção civil assumiram níveis liderantes à escala mundial, talhando edifícios belos e com requintes diferenciados de tudo o que se via nas cidades mais importantes dos outros países. Nos seus portos marítimos comerciantes, artistas, operários, piratas, investidores, viajantes, turistas, gestores, servidores públicos e contabilistas faziam comércio em moldes modernos promovendo exponencialmente o esplendor de Creta, e fazendo dela a pérola do Mediterrâneo.
Quem viajasse da Grécia ao Egito parava alguns dias em Creta, naturalmente. Ali encontraria por certo todo o tipo de objetos de ouro, pedras preciosas, perfumes, vestuário, e acomodação adequada ao lazer. Mas também as melhores invenções, e as melhores escolas para os filhos. E ainda os melhores locais para se encontrar a fina-flor das gentes ligadas ao comércio mundial que providenciaria a possibilidade de negócios seguros e lucrativos.
O clima temperado e ameno com invernos suaves e verões secos e quentes, aliados à fertilidade dos solos, produziam alimentos em abundância para suportar quem ali vivia, visitava a ilha, e ainda para exportar; apoiando as tripulações dos navios que dali demandavam outros portos mediterrânicos. Aquelas gentes sabiam o que melhor tinham para oferecer ao mundo, produziam produtos e serviços da melhor qualidade, recebiam bem quem os visitava como qualquer bom vendedor estima os seus clientes, e vendiam globalmente os seus produtos, serviços, arte, e cultura, esquecendo a sua condição de ilhéus e assumindo a condição de cidadãos globais. Reconheciam as suas condições adversas como vantajosas e lucrativas, forçando-as com trabalho inteligente, gestão habilidosa, e o tato certo das relações humanas a dar-lhes o que naturalmente lhes recusariam. Desenvolveram uma cultura descentralizada baseada nos recursos naturais, nos produtos inovativos, nos serviços excelentes, e na atividade comercial intensa.
Apesar de hoje a ilha aparecer desflorestada, naqueles tempos áureos vendiam-se as madeiras das suas florestas densas para todos os pontos ao redor do grande mar que os cercava como o Egito, a Grécia, a Síria e Chipre. Exportavam também alimentos, madeira de cedro, vinho, azeite, lã, vestuário, ervas aromáticas, e excelente púrpura tingida. E importavam ouro, pedras preciosas, cobre, prata, marfim, e matérias-primas que usavam na sua indústria. Por exemplo, importavam produtos usados na fabricação do bronze que importavam de minas na Espanha, na Grã-Bretanha, na Europa central e no Irão. Adotaram ideias artísticas, arquitetónicas, científicas, administrativas e educacionais das culturas ao seu redor, particularmente das técnicas dos seculares egípcios cuja influência está evidente nos imensos frescos murais. Para a produção de produtos manufaturados com ouro e outros metais preciosos receberam o conhecimento importado da Síria.
Por fim, os minoicos desenvolveram um poder naval significativo e durante muitos séculos viveram em contacto com todas as civilizações que os cercavam lá longe do outro lado do mar. Mas o seu contacto secular com a Mesopotâmia e o Egito inevitavelmente influenciaram a sua própria cultura, tornando-a por seu turno precursora – e uma das influências de maior formação – da civilização grega por ensinarem os micénicos. Os minoicos foram assim a primeira grande civilização europeia antes do surgimento dos helenos.
A civilização minoica faz parte dos povos que colonizaram a Península Ibérica influenciando a sua cultura e história. E o seu exemplo daqueles tempos primórdios explendorosos devia ensinar-nos que Portugal precisa de saber quem verdadeiramente é, acordar da sonolência secular, perceber o que tem de melhor, arregaçar as mangas e trabalhar inteligentemente, aprender a lidar com o diferente e o diverso apropriando-se e adotando esses valores para recriar-se, e depois vender o que tem ao mundo. Aprendamos então.
(Continua no próximo artigo)
Por Fernando Silva