LXXXIX Crónica da Invasão da Ucrânia, à distância.
19 de fevereiro 2024- – Mendo Henriques
Navalny – Antes morrer em pé, que viver de joelhos
Alexei Anatolyevich Navalny ( 1976-2024) foi um dirigente da oposição russa, advogado, ativista anticorrupção e prisioneiro político. Organizou manifestações antigovernamentais e concorreu a cargos públicos em nome de reformas contra a corrupção e contra o governo do presidente Vladimir Putin. Foi envenenado, perseguido, preso e agora morto a 16 de fevereiro.
Navalny juntou-se ao panteão dos mártires da liberdade, ao morrer na colónia penal de FKU IK-3 do Serviço Penitenciário Federal da Rússia para o Okrug Autónomo Yamalo-Nenets, na Sibéria, também conhecida como Lobo Polar ou Yamskaya… Existe um vídeo de 15 de fevereiro que comprova como mantinha saúde e disposição, apesar das condições desumanas em que sobreviveu durante dois anos e meio. Até hoje, as autoridades ainda não permitiram o acesso ao cadáver, impedindo que se comprovem as circunstâncias do martírio e alimentando as suspeitas de assassinato.
A porção maior e saudável do Ocidente e do mundo ocidentalizado está justamente indignada com esta morte, como observamos nos media internacionais e nas petições e nas declarações dos nossos representantes máximos, em Portugal, na União Europeia, na NATO, nos Estados Unidos. Todos os que pretendem uma sociedade decente estão chocados com mais esta indecência de Putin.
Existem, contudo, idiotas corruptos como Tucker Carlson ou moralmente ineptos como o Speaker Johnson do Congresso dos EUA, além de meia dúzia de dirigentes Europeus da direita radical, que procuram desviar as atenções da necessária justiça. Desta justiça falou Yulia Navalny, a esposa de Alexei Navalny, que apelou na sexta-feira a que Vladimir Putin “seja responsabilizado”.
Contudo, para além do apelo à justiça, da justa indignação e das necessárias lamentações, há duas grandes perguntas por responder. Será que vão ser criadas sanções contra o Kremlin? E será que o povo russo se preocupa com este martírio e que consequências terá para o futuro?
Em Junho de 2021, ao ter conversações em Genebra com Putin, o presidente Joe Biden alertou o presidente russo, que a morte de Alexei Navalny na prisão teria consequências devastadoras para a Rússia. “Deixei claro que acredito que as consequências disso seriam devastadoras para a Rússia”, disse Biden. Não sabemos que ações tomaria, mas neste momento existem 600 biliões de dólares de ativos russos congelados em bancos ocidentais, cujo destino é discutido desde a invasão de 2022.
Já várias medidas têm sido debatidas pelos senhores do dinheiro, entre as quais a aplicação dos juros dos depósitos do Kremlin para ajuda civil à Ucrânia. Nunca foi tão verdadeira a máxima de que uma guerra tem três lados: “O nosso, o inimigo e o dinheiro”. Este é o momento de verdade em que esse congelamento deve passar a confisco, em nome da liberdade e bem-estar dos povos em guerra na Europa do Leste.
O martírio de Navalny ocorreu com o aproximar-se do terceiro ano de guerra. Este deve ser o momento em que o conflito entre a Ucrânia e a Rússia seja transformado em guerra da Ucrânia + Rússia contra a tirania de Putin.
Traz-nos isto à segunda grande questão. Que consequências tem para a Rússia este martírio? Os russos têm revelado alguma preocupação, mas de expressão ténue. Em dezenas de cidades, a começar por Moscovo e São Petersburgo, os centros do poder, têm sido empilhadas milhares de flores em luto. Foram presas umas 400 pessoas que lamentaram a morte de Navalny. https://www.npr.org/2024/02/18/1232298807/over-400-detained-in-russia-as-country-mourns-the-death-of-alexei-navalny
O grande obstáculo a mais manifestações continua a ser o “contrato social” celebrado entre Putin e o povo russo – “Dou-vos segurança em troca da liberdade”. Quem trava a guerra contra a Ucrânia são sobretudo as unidades do Donetsk e Lugansk, militares das repúblicas remotas da Federação, e mesmo criminosos de direito comum. Os novos voluntários recebem quase US$ 1.000 mensais, soma imensa para a maioria de russos empobrecidos que se candidata para carne de canhão.
A maioria dos russos comuns escolheu a passividade e ajuda o regime de Putin a sobreviver, mas os mártires inspiram os corajosos a seguir os passos de Navalny. O destino dos russos comuns – os “dispensáveis” – há-de marcar a hora. A prazo, Putin descobrirá que os dispensáveis do povo e os mártires da perseguição política, como Navalny, constituem um poderoso exército contra o regime. Cedo ou tarde, Putin desaparecerá e será lembrado como um tirano.
As grandes frases tornam-se grandes não pelo que dizem, mas pelo que fazem. Antes morrer em pé, que viver de joelhos é uma frase do revolucionário mexicano Emiliano Zapata que Navalny agora reviveu. A morte do grande oposicionista russo tem um propósito maior do que a escassa reação até agora verificada na Rússia e no Ocidente, como afirmou Maxim Katz, outro oposicionista. Temos de estar à altura destas grandes palavras.
Amanhã é outro dia!