Mau ambiente
* Miguel Szymanski, Escritor e Jornalista
É uma seca de tema. É um assunto árido. No limite, causa ansiedade, perturba o sono, leva a actos de desespero, como alguém colar-se a uma estrada de asfalto porque sabe, ou lhe disseram, que está em causa o seu futuro, o dos seus descendentes, e se recusa a ficar calado. Prefere ficar colado a uma estrada em protesto.
Neste momento, alguns leitores mais perspicazes terão percebido que esta é uma crónica sobre o aquecimento global. Pior, sobre a COP28, a conferência para o clima das Nações Unidas, que terminou agora e se propõe, de uma vez por todas, a apresentar as medidas para se resolver o problema. Esses leitores, atentos às técnicas de reciclagem mais avançadas, irão sem demora, sem ler mais uma frase, munidos de bom senso, optar por usar esta crónica para forrar um caixote de lixo, acto mais ecológico e sustentável do que usar sacos de plástico feitos de petróleo. Há outros actos de reciclagem possíveis, como por exemplo os de higiene sanitária, parafraseando os republicanos portugueses da primeira hora, já não usando o jornal para ir atrás de uma silva “escrever uma carta a El Rey”, mas uma ao sultão que no Dubai preside à COP28.
Aos leitores que ficaram, uma primeira notícia edificante: o sultão, que acumula as suas funções de presidente da petrolífera dos Emirados Árabes Unidos, a quinta maior do planeta, com a presidência da conferência global para salvar o planeta, anunciou publicamente que não há provas científicas que o gás e petróleo do seu país contribuam para o aquecimento global.
O sultão tem razão. Até alguém os queimar, os combustíveis fósseis não contribuem para o aquecimento global. É como a velha piada sobre cigarros: enquanto ninguém os acende não têm efeitos cancerígenos. Além do mais, a COP28 terminou em meados de Dezembro e o modelo de negócio petrolífero do Dubai, e dos outros países, vão continuar exactamente nos mesmos moldes. De acordo como uma investigação da BBC britânica, o sultão já nos dias antes da abertura oficial da COP28 estava a negociar contratos de longo prazo para fornecer gás e petróleo a 27 países e ainda a discutir negócios para a exploração de novos campos de extração de matérias-primas em países dos terceiro mundo como Moçambique.
O chefe do governo indiano, por sua vez, anunciou antes de ir para a COP28, que salvar o clima, tudo bem, mas que a Índia não abdica das suas centrais de carvão, estratégia aliás também prosseguida pela China. Já na União Europeia o sentido ecológico levou este ano a atribuir ao gás natural o selo de ‘energia verde’ e a resolver parte do problema na secção de rotulagem. Aliás, o termo ‘natural’ em gás natural apontava uma solução nesse sentido. As sanções ao gás russo não fizeram só as facturas de gás disparar, também as emissões de CO2 aumentaram 30%, porque o gás tem agora de ser liquefeito e atravessar os oceanos em navios. Talvez na COP28 se opte ainda por mudar o nome do crude para ‘petróleo natural’ para fazer pendant com o ‘gás natural’.
As várias edições da COP têm sido tão bem sucedidas que os objectivos do Acordo de Paris, de 2015, que previa manter o sobreaquecimento global até 2100 num intervalo entre os 1,5º e os 2º C, face à era pré-industrial, não será cumprido. Do lado positivo, dentro de 30 a 50 anos as COP poderão ser organizadas em zonas desérticas na Europa sem ser necessário levar 70 mil pessoas em aviões para os desertos da Península Árabe.
O principal problema do combate ao aquecimento global é que tem a pretensão de resolver problemas num futuro incerto com custos concretos e muito elevados no imediato. As pessoas não gostam disso. O modelo económico em que vivemos não gosta disso. Nenhum investidor quer investir hoje a sua fortuna numa empresa cuja promessa é não lhe dar mais problemas do que os actuais daqui a 30 ou 50 anos. Onde fica a rendibilidade? Só meia dúzia de idealistas plantam sobreiros para ter cortiça daqui a 50 anos. A esmagadora maioria prefere estufas de framboesas que podem começar a ser vendidas seis a oito meses após o investimento.
O ser humano dedica-se de preferência às vendas com lucros instantâneos, seja de madeiras exóticas ou de espécies piscícolas em extinção, como mais convicção do que à defesa do futuro do planeta para os seus filhos e netos daqui a 50 ou 70 anos.
O nosso cérebro, tal como os ciclos eleitorais ou os relatórios de contas das empresas, não estão formatados para estratégias a várias gerações. Continuamos a ser predadores e colectores, vivemos da mão para a boca. Só que fomos apanhados de surpresa pelo nosso sucesso predatório e a nossa capacidade, não só de colher frutos maduros das árvores, mas de esventrar e mutilar a superfície terrestre para extrair tudo o que tenha valor comercial. A nossa arrogância não tem limites. A nossa fé na ciência de mãos dadas à economia de mercado é inabalável. Se o interior do carro a gasóleo que conduzimos numa cidade poluída cheira a fumo, logo alguém comercializa um spray químico quase idêntico ao aroma de pétalas de rosa para resolver o problema.
Para quem ainda não tem colecções de carros desportivos na garagem, iates, aviões particulares ou piscinas olímpicas aquecidas no jardim atrás de casa, para quem não é sultão nem sequer milionário, resta o contributo possível: separar o lixo, andar de transportes públicos e apertar o cinto. Já os famosos fatos feitos à medida para milionários nos alfaiates de Savile Row normalmente nem presilhas para cintos têm.
* Miguel Szymanski