O Sonho de um Louco
Li há pouco um livro que me foi oferecido pela autora, que tem por título ABRANTES e como subtítulo – Cadernos de Pedro Cabral e Raquel Ochoa.
É uma edição da Câmara Municipal de Abrantes e a organização pertence à Biblioteca Municipal António Botto.
Trata-se de uma história que se desenvolve entre duas personagens, uma desempenhada pela narradora, jovem advogada oficiosa, que é enviada a Abrantes com a função de defesa de um prisioneiro revolucionário. A segunda, um professor já de meia-idade, que se auto-designava de sociólogo, historiador e agricultor, cuja sanidade mental era muito duvidosa. A ação avança na tentativa da defesa do prisioneiro, que junto à Assembleia da República, empunhava um cartaz com letras, já desbotadas, onde se lia: CABEÇA DE M…O A …O … DE PORTUGAL. Naquele mesmo dia, o Ministro da Administração Interna sofreu uma tentiva de homicídio. A polícia concluiu de imediato que o manifestante seria o autor do atentado, e foi preso.
Ou seja, toda a ação se desenvolve através do interrogatório da jurista, a que o prisioneiro, em vez de responder às questões, vai relatando a história de Abrantes, num memorial revivalista, desde os tempos de Aljubarrota, onde D. João I esperou a chegada dos castelhanos, por ser um local estratégico de vigilância, equidistante do Ribatejo, Beira Baixa e Alentejo, até à atualidade.
Nos seus sucessivos relatos, vai explicando que esta cidade fora um importante porto fluvial, onde era desembarcada a palha que vinha do Alentejo, e dali era distribuída para os arredores da capital, e que naquele tempo a palha até tinha cotação na bolsa. Também, naquele porto, eram desembarcados muitos outros produtos, nomeadamente loiças, sal, tecidos que seguiam para várias localidades, transportados por um batalhão de almocreves e carreteiros.
Em suma, Abrantes tinha sido um entreposto de grande valia para o país e conclui «… Atualmente o litoral está saturado e o interior desertificado. Têm de se tomar medidas». No fim, chegou-se à conclusão que o pseudo-terrorista empunhava um cartaz tão-somente com a frase: ABRANTES: DE CABEÇA DE MUNICÍPIO AO TOPO DE PORTUGAL, e que nem era louco, talvez um astuto insubmisso, que nada teve a ver com o atentado.
Esta história levou-me à seguinte associação de ideias:
Uma das primeiras preocupações da Ministra, Ana Abrunhosa, quando assumiu o Ministério da Coesão Territorial, foi chamar ao Terreiro do Paço os Presidentes das Casas Regionais, para lhes pedir que pensassem em criar projetos e sugestões viáveis para implementar, de modo a cativar gente a fixar-se nas zonas mais desertificadas do Interior. Pediu mesmo que inventassem slogans apelativos para aliciamento das populações mais jovens, e que dali a um mês voltariam a reunir-se.
Naquela altura, considerei esta iniciativa de muita boa-fé, mas também ingénua. Vejamos: Os Presidentes das Casas Regionais representam e desenvolvem o convívio entre as pessoas naturais ou descendentes das regiões, que se deslocaram há longos anos para a capital, à procura de melhor vida.
O conhecimento profundo das necessidades regionais não é o seu compromisso, contudo, após a reunião com a Ministra, apesar do embaraço inicial, mostraram uma grande vontade em colaborar e, durante o mês que se seguiu, trabalharam neste projeto, com apoio de pessoas mais próximas das realidades dessas zonas e concretizaram o que lhes foi sugerido.
Como a convocatória para a segunda reunião não aparecia, enviaram o trabalho para a Ministra, que nada mais disse acerca deste entusiasmo, que parecia ter alicerces para se suster… Mas ainda continuam à espera!
Podia não ser um trabalho de fundo e exaustivo, de qualquer forma, era já uma primeira abordagem.
Depois de tudo isto, penso como o louco de Abrantes: É preciso ter coragem para ir mais além. As reuniões no Terreiro do Paço não podiam ser realizadas em locais estratégicos mais próximas destas zonas que todos desejamos melhorar? Por que não fixar polos do Ministério, com gente preparada tecnicamente para in loco, para estudar o potencial das localidades, até mesmo sob o ponto de vista etnográfico?
Cada região tem as suas particularidades e tradições que fazem a diferença entre elas, e que é preciso realçar e valorizar. Inovar sim, mas tendo como suporte as raízes do passado, porque são elas as bases de sustentação do futuro.
O desenvolvimento destes locais, passa por pessoas conhecedoras dos seus problemas reais e que prevejam soluções viáveis de interesse para as novas gerações. O turismo é importante, podendo mesmo virar-se para o artesanato, para o turismo de montanha, para a pesca, para o turismo fluvial, para o turismo religioso, etc. Mas não podemos viver só desta indústria, é preciso explorar o sector primário de uma maneira racional.
A agricultura hoje já nada tem a ver com o passado, sendo mesmo atrativa, desde que haja recursos para a desenvolver e, segundo a Ministra, existem fundos estruturais generosos para aplicar nestas iniciativas.
Mas lembro a asneira que se está a fazer em termos agrícolas, tendo como exemplo o Ribatejo, outrora uma zona importante de regadio, onde se cultivava os cereais, inclusivamente o arroz, hoje essas planícies estão repletas de oliveiras e videiras, árvores e arbustos que se dão em sítios mais pobres e montanhosos, principalmente a oliveira. Portugal tornou-se um país de azeite e vinho, produtos destinados à exportação, entretanto compra o trigo e o milho ao preço que a comunidade europeia entende. É isto a soberania do futuro?
Tem de aparecer um louco corajoso que ponha cobro a estas incongruências.
Outubro de 2020.
Alda Barata Salgueiro
Nacionalista/Regionalista