Adriano Moreira e o desencadear da “Guerra Colonial”
Corria o ano de 1961 quando o ministro do Ultramar Adriano Moreira recebeu, antes de António Salazar, um relatório “ultra secreto” do intendente de distrito Custódio Ramos com cerca de mais de 200 páginas com factos hediondos ocorridos no Uíge, a norte de Angola, no dia 15 de Março desse corrente ano.
O relatório em causa continha fotografias originais de algumas famílias de portugueses assassinados à catanada e de um grande número de corpos de angolanos do movimento UPA que lutava pela autodeterminação de Angola.
O número de angolanos mortos pelos portugueses constantes nas fotografias desse relatório é impressionante; apresentavam-se amontoados da forma como nos habituámos a ver nos filmes dos campos de concentração da 2ª guerra mundial e muito provavelmente prontos para serem levados para valas comuns.
O relatório de Custódio Ramos para Adriano Moreira aborda o modo “desprotegido” como alguns portugueses viviam no meio do mato e também a forma “desarmada” com que os angolanos atacavam os portugueses, muitas vezes sob efeito de drogas, o que os levava a pensar que as balas dos “brancos” não lhes causariam a morte.
Este relatório, de que existe uma cópia no Museu Militar em Lisboa, leva-me a pensar se a abordagem que o ministro Adriano Moreira fez a António Salazar foi a mais “Humana” para poder resolver o conflito sem sujar as mãos de sangue, com uma guerra que custou muitas vidas aos portugueses, além dos traumas ainda existentes nos ex-combatentes.
É inestimável o contributo que Adriano Moreira deu para a consolidação da democracia, o contributo ideológico que deu para o CDS, apesar dos 4% obtidos em eleições, e toda a sua visão incomparável da política internacional em tempos de democracia, mas de facto ter estado numa posição “Estado” que desencadeou a célebre frase “Para Angola rapidamente e em força” não me parece ter sido a mais correta para um ministro com espírito tolerante e democrático com aspirações à política ativa posterior.
Este relatório confirma que toda a ação de estratégia da UPA constante no relatório de Custódio Ramos estava a ser feita a partir do “Congo Belga” e não em território angolano. Este relatório continha também panfletos distribuídos pela UPA com referências aos patrocínios das grandes potências protagonistas da “Guerra Fria” e uma carta dirigida ao ministro Adriano Moreira dando conta do árduo trabalho dos poucos portugueses que se iam defendendo com armas de fogo dos ataques da UPA e construindo pistas de aterragem para os aviões poderem largar mantimentos naquela zona inóspita, onde o mau tratamento por parte dos portugueses de alguns trabalhadores angolanos nas plantações de café foi a “gota de água” que fez transbordar o copo de uma colonização agressiva neste género de trabalhos agrícolas.
Este relatório, que parece quase uma “tese de doutoramento” devido à sua extensão e pormenor, não me parece ser facilmente esquecido por alguém que o tenha lido, apesar de ter sido elaborado há mais de 50 anos, o que pelo seu valor histórica já nos dá “liberdade” para o analisar com distanciamento temporal que a História exige.
. Paulo Freitas do Amaral, Colunista do Jornal de Oleiros
Professor de História