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Senti–me envergonhado e triste ao ler e ver a reacção dos meios de comunicação social
estrangeiros, especialmente nos nossos parceiros da União Europeia, sobre a situação polí-tica em Portugal.
Pensava eu que, depois dos comentários internacionais aos acontecimentos que envolveram o ex-Primeiro Ministro José Sócrates, nunca mais poderiam ocorrer
situações que pudessem provocar lá fora comentários similares, muito negativos para
a imagem do nosso país.
Enganei-me redondamente e os acontecimentos que
culminaram na demissão de António Costa e na convocação de eleições legislativas
antecipadas veio novamente atirar-nos a nível internacional para a lama.
Não estamos apenas num pântano, mas num lamaçal.
E, ainda mais grave do que as reacções estrangeiras, será o enorme desprestigio sofrido
pelas nossas instituições democráticas e pela classe política doméstica.
Mas é essencial que os portugueses tenham presente que os protagonistas das situações
em causa não são os políticos em geral, mas sim alguns dos membros do Governo do PS, a começar no Primeiro-Ministro, no seu Chefe de Gabinete e no seu alegado maior amigo.
Fez bem o Presidente da República em optar pela dissolução da Assembleia da República e
assim não permitir a indigitação de um novo Primeiro-Ministro indicado pelo PS, ou seja, por António Costa.
Se é certo que em eleições legislativas elegemos Deputados e não um Primeiro-Ministro, a
verdade é que o sistema vigente conduz os eleitores a uma escolha entre os candidatos a estas funções, através dos Partidos que representam.
O sistema eleitoral infelizmente ainda vigente leva a que, nos círculos com um
número de mandatos significativo, os cidadãos ignorem quem são os Deputados que integram as listas e esse desconhecimento perdura ao longo da legislatura.
Por isso, Marcelo Rebelo de Sousa, na posse do Governo ainda em funções, lembrou
que a escolha dos eleitores tinha recaído no candidato do PS, para mais tendo este
encabeçado uma candidatura fortemente nele personalizada, pelo que não aceitaria antes
de novas eleições a sua substituição por outrem, caso o mesmo viesse a abandonar o cargo.
Esteve também muito bem o Presidente da República ao assegurar que este Governo se
manteria em funções até à posse de um novo Governo decorrente das eleições e que, designadamente, ficava assegurada a aprovação de um orçamento para o próximo ano.
Porém, discordo da marcação das eleições só para daqui a quatro meses, com a justificação
de que assim se permite ao PS eleger uma nova direcção e preparar-se para as eleições. Não conheço nas democracias ocidentais período tão alargado para a marcar eleições
intercalares. O PS está mais do que preparado para a campanha eleitoral e pode
eleger uma nova direcção em dois a três meses.
Por outro lado, lamento que os dois maiores par-dos, essenciais para a aprovação por voto
qualificado de uma nova lei eleitoral, não tenham até agora apresentado no parlamento qualquer iniciativa formal nesse sentido, sendo certo que ambos já subscreveram
publicamente propostas que considero muito válidas e conciliáveis.
De facto, seria importante, nomeadamente para combater o crescimento da abstenção,
aprovar uma nova legislação que aproxime os eleitores dos eleitos através da diminuição
do número de Deputados, de círculos que elejam poucos Deputados respeitando o princípio da proporcionalidade, e de um mecanismo que permita o aproveitamento
dos votos que não concorram para a conversão em mandatos.
Espero que este período transitório possa culminar num virar de página que permita um
novo Governo que saiba adoptar as reformas estruturais de que o País tanto precisa, nomeadamente, entre outras áreas, na saúde, na educação, na justiça e na
administração pública.
* António d’Orey Capucho, Colunista do Jornal de Oleiros
( artigo exclusivo para o Jornal de Oleiros )