Os Cátaros
. Maria Alda Barata Salgueiro, Colunista do Jornal de Oleiros
Em 2008, o Grupo dos Amigos do Museu de Arqueologia (GAMNA) organizou uma viagem ao Sul de França, a fim de visitar as cidades e os castelos designados de Cátaros. Tive a sorte de participar nessa viagem que me deslumbrou, principalmente pela monumentalidade e efabulação das cidades medievais da Provence, um manancial cativante à curiosidade e ao conhecimento, mas o tema era investigar quem foram os Cátaros e conhecer os inúmeros vestígios desta seita religiosa, pelo que não havia tempo para mais delongas.
Ficámos, então, a saber que:
O Catarismo, conhecido apenas através dos registos documentais do Santo Ofício, foi um movimento Cristão de ascese extrema que defendia o princípio dualista na crença de que o mundo tinha sido construído sob o domínio de duas forças universais antagónicas: O Deus do Mundo Espiritual e o outro do Mundo Material – o Criador do Bem e o criador do Mal.
O Deus Bom seria o Deus do Novo Testamento, divindade portadora de Luz e Sabedoria em oposição ao Deus Mau, Satanás, o criador do mundo físico do Antigo Testamento, contaminado pelo pecado que corrompia o corpo humano e também a alma incauta.
Os seguidores desta doutrina pensavam que os anjos, sem sexo, eram a reencarnação das almas humanas aprisionadas pela divindade maléfica.
Os Cátaros repeliam, como inúteis, os dogmas da igreja com a rejeição dos Sacramentos, dos Sacrifícios do Altar, da Intercessão da Virgem Maria, dos Santos, do Purgatório, das Relíquias e também das Imagens. Reduziam o Batismo, a Confirmação, a Penitência e a Extrema-Unção a um único Sacramento que designavam de Consolamentum ou Batismo do Espírito, que unia a alma dos fiéis ao Espírito Santo. [1]
Apesar da falta de documentos, alguns historiadores pensam que o Catarismo tenha sido um fenómeno da Europa Ocidental latina e cristã, que surgiu após a Reforma Gregoriana no Séc. XI, e que veio a disseminar-se pelas cidades da Renânia, particularmente em Colónia no seculo XII, mas com mais incidência no Sul de França. Outros defendem a tese de que terá vindo da Arménia e da Bulgária, tendo atravessado o Mediterrâneo no tempo das Cruzadas, ou o mais provável, através das frequentes rotas comerciais. Seria uma junção de preceitos de Bogomilismo da Bulgária, da filosofia Zaratustra da Pérsia, de Gnosticismo Greco-Romano e do Cristianismo Primitivo.
Os seus conceitos fundamentais assentavam nas seguintes regras:
- Reconhecimento do princípio feminino no divino Deus baseado na Sophia/Sabedoria, existindo igualdade de género nas comunidades Cátaras.
- Acreditavam na Metempsicose, com a reencarnação da alma que pensavam ser contínua, a menos que renunciasse completamente ao mundo.
- Dualidade Cósmica, a existência de duas divindades em constante estado de guerra.
- Vegetarianismo – Embora não fosse proibido comer peixe, era impensável sacrificar animais.
- Celibato – não era encorajado, pois cada criatura nascida era mais uma pobre alma presa pelo diabo ao corpo.
- Dignidade no trabalho manual. Todos trabalhavam e o ofício principal era a tecelagem.
- Suicídio – Era designado de ENDURA seria uma resposta racional e digna em certas condições. [2]
Esta seita era, além de laboriosa era também generosa e de hábitos frugais muito elementares, integrada na população das cidades que com o seu esforço laboral era considerada uma mais-valia para o progresso económico dessas localidades, principalmente para o engrandecimento dos Condados Feudais que a protegiam.
O Papa, apercebendo-se da aceitação destes fervorosos doutrinários, contrários à ditadura Romana, foi criando Éditos repressores, com ordens severas dirigidas às autoridades locais para que libertassem os seus territórios daquela gente perniciosa, inimiga da Igreja Católica. Só que muitos destes senhorios ignoraram os Decretos, não só por conveniência, mas principalmente por os considerarem pessoas de grande integridade espiritual, dignas de respeito e de misericórdia.
Como os Éditos não tiveram êxito e a heresia continuava a crescer, em 1198 o Papa Inocêncio III convocou uma Cruzada, designada Cruzada contra os Albigenses (habitantes da cidade de Albi), que durou até 1229 sem ter atingido o seu objetivo. As perseguições continuaram, sem o êxito pretendido, durante várias décadas.
Mais tarde, a Inquisição assumiu o projeto papal e empenhou-se, com todo o seu fervor, para alcançar a completa exterminação do Catarismo, o que veio a acontecer no ano de 1350.
Todo o Sul de França está assinalado com vestígios deste povo que vivia completamente integrado, dedicado à agricultura e à tecelagem e com um sistema de vida exemplar, pelo que era bem aceite e acarinhado pela população fiel a Roma. Quando se sentiam perseguidos refugiavam-se nos castelos fortificados, construídos nos picos das montanhas onde os senhores feudais os recolhiam e alimentavam.
É curioso que na corte de Aragão se praticava este culto, razão pela qual a Rainha Santa Isabel, ao contrair matrimónio com o nosso rei Lavrador, trouxe, para Portugal, a adoração ao Espírito Santo praticada por este povo, que ainda hoje é um culto importante, sobretudo nos Açores.
As cidades mais importantes, no Sul de França, onde se implantou o Catarismo foram: Toulouse, Carcassonne, Montpellier Béziers, mas sobretudo em Albi.[3]
Muitos Cátaros, durante a sua longa perseguição, conseguiram fugir para outras regiões com a ajuda dos Cavaleiros Templários que, nessa mesma altura, eram perseguidos pelo Papa Clemente V a pedido do Rei de França, Filipe IV. Este, devedor de uma avultada quantia à Ordem do Templo e não tendo condições de se libertar do compromisso, conseguiu convencer o Papa de que os monges templários praticavam o Satanismo em sessões noturnas, envolvidas em feitiçarias demoníacas. O Rei tinha em mente apoderar-se dos tesouros da Ordem, pois não só o libertaria da dívida, mas sobretudo o tornariam mais poderoso.
Filipe IV conseguiu, em parte, o seu propósito acusando-a de práticas diabólicas para que a Inquisição desse início à perseguição dos Templários, o que veio a motivar a fuga de muitos monges desta Ordem Militar.
Os historiadores defendem a tese de que a Inquisição flagelou algumas dezenas de Monges, incluindo o seu Grão Mestre Jacques de Molay, sexta-feira dia 13 de Outubro de 1307, (o que deu origem à crença de que as sextas feiras 13, são dias de azar). Nesta mesma altura, o Papa decretou o confisco de todos os bens da Ordem Templária e também a sua dissolução.
Muitos Templários fugiram para lugares onde a Ordem tinha possessões e com eles vieram Cátaros igualmente fugitivos.
A Península Ibérica, a Itália, a Suíça foram locais de refúgio onde se radicaram e estabeleceram em comunidades rurais.
Em Portugal temos remanescências da população cátara, conhecidas principalmente, através de vários topónimos, localizados junto à fronteira com Espanha, nas Beiras e Alto Alentejo, com destaque para o povoamento da Herdade da Açafa no Alto Alentejo (doada por D. Sancho I à Ordem do Templo); também Castelo Branco, cuja origem vem de Castelo de Albi, pelo que os naturais desta cidade são designados Albicastrense; Tolosa deriva de Toulouse; Arez vem da cidade de Arès; Niza está relacionado com Nice. (Cidades do Sul de França).
A história do Catarismo ainda está pouco estudada, mas quem gostar destes temas e também de outros, em especial relacionados com os Templários, pode fazer uma peregrinação à região do Midi em busca de relatos fantásticos, que além de interessante, se transforma numa aventura extraordinária que vale muito a pena realizar.

Maria Alda Barata Salgueiro
* Maria Alda Barata Salgueiro, Colunista do Jornal de Oleiros
2023
Bibliografia:
José Luís Pinto Fernandes: art.º. Crepúsculo da Ordem do Templo e a Fundação da Ordem de Cristo – 12/10/2021 – Inforblog
Grande Enciclopédia Luso-Brasileira, vol. 6. Pág.291.
Wikipédia: Os Cátaros.
Documentação Turística local.
[1] Enciclopédia Luso Brasileira, Vol. 6, pág. 291
[2] Catálogo Turístico do Languedoc, 2017.
[3] In Les cathares – Pauvres du Christ ou Apôtres de Satan? 1978
Autor -Anne Brenon .